LOBOS

Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem na alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível

Herman Hesse

sábado, 26 de dezembro de 2009

Flores para o Padre Martins

Uma evocação e uma homenagem
Monsaraz 10/04/1921
Estremoz 30/01/2000















Homenagem, ao Padre, ao Poeta, ao dramaturgo, ao Escritor, ao Pároco, ao Professor, ao Maestro, ao Jornalista, ao Autarca e ao Desportista
(Jornal de S. Brás- Évora)
Não tenho coragem(... e talento) para escrever sobre o Padre Martins, há muito tempo que penso fazer uma evocação sobre este homem bom que acompanhou a minha (nossa) infância, juventude e já em adultos convidava-nos à paz com o seu sorriso meigo. Encontrei um suplemento do jornal de Évora, onde outros que o conheceram de outras formas escreveram as palavras certas para dignificarem este  homem que muito deu à minha terra e às suas gentes. Quase 10 anos após a sua morte aqui fica a minha homenagem com as palavras de quem o conheceu melhor que eu . Obrigado Padre Martins.


 


" Da Boca das crianças brota a verdade...


 



Redacção
O Retrato de um Sr. Professor
   Vou descrever o retrato do professor que eu mais gosto.
Isto não quer dizer que não gosto também dos outros Srs Professores.
Mas nóos todos gostamos mais de um professor do que de outro.
   Vou começar então a descrever o retrato: este meu Sr. Professor é forte, alto, tem óculos, boca pequena, nariz grande e vai estando um pouco já careca. Faz muitos gestos com as mãos e com o corpo.
  De vez em quando nós pedimos-lhe feriado. Umas vezes.Umas vezes dá outras vezes não dá.
  É bem falante e trata-nos bem cá a meu ver.
Dá-nos boas notas, até tenho impressão que não é um professor capaz de dar negativas a um aluno. Pergunta-nos muitas coisas; quais são os alunos melhores, os mais ruins, quem é que dispensa, quem vai a exame, etc.
 E por fim também posso dizer que é um professor que gosta de jogar à bola.
  Quem é este Sr. Professor?
R: Sr. Padre Martins.

                Nome: José Mariano grego Dias-T:E 2º Ano Nº287





Tinha Estremoz no Coração 

a sonhar.

É irreal! Pensar que a vida se esfuma por entre os dedos não nos dando tempo sequer para despedidas! Havia tanto por dizer, tanto para escrever, sonhos perdidos numa casa agora tão vazia ou tão cheia de recordações que ficarão presas a esse tempo que já não volta...
  Sei que vive e viverá para sempre na memória de quem o conheceu, porque o verdadeiro poeta nunca morre, permanece vivo nas palavras!



Tempo...Deus não lhe deu mais tempo para sonhsr!
  Eis o Poeta, o sonhador que maravilhado se debruçava na janela de sua casa para contemplar a beleza de Estremoz!
  Cinquenta anos é uma vida, que dedicou a esta cidade e às pessoas que nela vivem! Tinha Estremoz no coração junto com as lembranças da terra mãe, Monsaraz.
 A sua alma estava repleta de recordações carinhosas do tempo que já passou, da vida que já não volta...
  Na sua casa requei no tempo e vivi as histórias que eram tão suas e que me levavam a locais que construí na minha imaginação. Tenho presente a sua imagem, nunca o esquecerei, não se esquece um grande amigo!
  É difícil aceitar que esta presença que esteve sempre constante na minha vida tenha desaparecido. Recordo agora com saudade os momentos onde junto à camilha lançava no papel os rascunhos de um novo livro, dedicando-lhe o mais profundo sentimento.
  Cada palavra, cada verso, transmite vida, a vida que não mais poderá lançar no papel...os sonhos do poeta.
  Não interessam as palavras que hoje escrevo pois parecem patéticas perante o que sinto, e sinto tanto a sua falta, sinto a falta deste amigo que esteve sempre junto de mim desde que nasci, que me brindou com as suas recordações, que me preencheu com os seus sonhos e me levou
                        Elsa Fonseca-6/02/2000


Atleta


Seleccionado
todos seleccionados para a vida:
-miséria e glória, dor e redenção,
atleta do destino humano,
corredor do infinito,
eis-me sagrado
a suor e sangue
no rectângulo da minha dimensão.
Coroa de flores?taça? Medalha de ouro, prata ou bronze?
Meu gesto libertado
toca os astros, arrasta o grande júri,
que me pede que corra os dez mil metros, e lance o disco,
atire o peso, dispare o dardo,
para que a força e o ritmo desencadeiem
a Harmonia, a Estese,
que permanecem sobre a enorme pista
para além de vitórias e aplausos...
- Vem Tu, Senhor, com o teu calção lavado de pureza,
teu peito aberto! Vem,
corre a meu lado, vigoroso e leal,
no corta-mato da montanha agreste:
- tua doutrina gímnica, verdadeira!
E, quando eu for desfalecer, aponta a meta
com o teu braço musculoso e o olhar incendiado,
que trouxeste lá do Alto, ó Grande Atleta
pisando a relva rasa
da nossa humanidade...
Assobiem os loucos, os facciosos...
quem manda nos tendões que me atam o ser
e dá virilidade aos membros estatuários
és tu, ó Gladiador de fronte erguida,
porque o meu corpo de ginasta é como o teu,
pregado sobre a cruz do sacrifício...

  Jovem e destro, puro, saltarei o plinto
Como um salto mortal hei-de evitar a morte,
apoiado nas leis sagradas do equilíbrio,
que a natureza guarda e o homem descobriu...

E Tu, Mestre, que espalhas a beleza
que traçam no ar o torso, pernas, braços,
vem receber-me com teus pulsos fortes,
teus olhos (coração igual ao meu!),
para que não me fira na aventura
nos dias que me dás para viver,
quando eu saltar o derradeiro obstáculo
-seleccionado para a vida ultrapassada-
e, eterno, deslizar do Grande Estádio Olímpico!
 ( Padre Carmo Martins )
 


Vamos morrendo com os amigos


   era o começo da noite de 31 de Janeiro e eu regressava a Évora depois de um dia fatigante. Estivera de manhã no Porto, na faculdade de Letras, numas provas de Mestrado. Estivera ao fim da tarde em Lisboa, numa reunião de natureza político-social. Deslocava-me agora na ponte Vasco da Gama, a caminho da bem-amada cidade de Évora, a pricesa do Alentejo. Toca o telefone. Atendo. É o Cónego Filipe de Figueiredo. Tem uma notícia ruim para me dar. Como hesita. Peço que me diga. Diz. O Padre Carmo Martins fora a sepultar nesta segunda -feira. Desce sobre mim, entra em mim, anoitece-me até ao centro uma grande tristeza, uma grande saudade. Vi o mundo mais pobre de repente. Vi o meu mundo mais pobre de repente. Morrera mais um amigo. Morrera com ele mais um pouco de mim mesmo.
Abrira-se mais um vazio na minha vida.
Nunca pensei, nos meus 14 anos, quando o Padre Martins nos apareceu em Vila Viçosa, no Seminário, para ser o nosso professor de Latim, que um dia viria a tê-lo como amigo, já bem entrado nos duros anos de adulto. Era um homem alto e desempenado, forte, mesmo atlético. Era ao mesmo tempo reservado e comunicativo, fechado e aberto, distante e acolhedor.
  Jogava à bola connosco. Gostava de jogar à bola connosco. E que bem que jogava.
Era um desportista. Já era calvo, mas terfia apenas uns trinta e dois anos, feitas hoje as contas.
  Já então poetava. Constou entre nós, com efeito, que era poeta. E bom poeta. Acreditei moderadamente. Havia ou parecea-me que havia, uma certa credulidade ingénua entre os meus colegas seminaristas, que me levava a ouvir apreciações daquele género com muitas dúvidas.
Pensaria até que os critérios de apreciação que por ali vigoravam não eram objectivos, que padeciam de um certo paroquialismo beato. Ouvi, de qualquer modo, e fixei. Lá fiz o lati dele. Pouco depois em 1954, saí do Seminário. Só voltei a ver o Padre Martins em 1972, quando me deixei encaminhar para Estremoz, como vice-Reitor da secção Liceal um ano antes criada nesta cidade. Foi então que pude privar com ele. Foi então que me tornei seu amigo.Foi então que a sua alma se me abriu ou eu me abri à sua alma ou as duas se abriram uma à outra. Era verdade que era poeta. E também era músico. Em Abril de 1973 já eu era Maestro do Orfeão Thomaz Alcaide. Ele o tinha sido antes, havia um bom par de anos, segundo compreendi. Viemos a ser mais tarde homenageados os dois, em Estremoz , nos começos dos anos 90, no Salão Nobre da Câmara Municipal, como Maestrops que fôramos do Orfeão vivos. Lembro-me que me senti honrado, e emocionado, por partilhar aquela homenagem com ele, que eu tanto admirava e estimava.
  Durante todos os anos em que vivi em estremoz, entre 1972 e 1985 - ano da morte do amigo comum Padre josé Alves Gomes-, pude conviver com regularidade com o Padre Martins.
  A sua grandeza Humana, intelectual e espiritual entrava pelos olhos da alma dentro. A minha admiração crescia. Depois, amigos, como o António Telmo e o Salvado Martinho ajudavam a compreender essa grandeza, eles que o conheciam e apreciavam profundamente.
No Orfeão, o seu cunhado - Senhor Carvalho - dava-me um ângulo complementar de compreensão.
  Vieram, finalmente, os livros: os poemas, o romance. Quando li o seu primeiro livro de poemas, fiquei siderado: estava ali um grande, um extraordinário poeta. Senti, ao ler esses poemas magníficos, a estreiteza de vistas dos críticos de Lisboa e quejandos meios e a injustiça da invisibilidade literária de um escritor daquela qualidade rara. Concebi a intenção, que lhe comuniquei, de escrever uma pequena nota crítica sobre a sua poesia, o que ele desejava que eu fizesse e eu, em sua vida, não cheguei a fazer.
   Nem mesmo as minhas demasiadas ocupações me permitiram estar presente nas sessões de lançamento dos seus livros, o que ainda hoje me dói pungentemente.
Mas apercebi-me então com nitidez e evidência da grandeza do poeta que era o Padre Carmo Martins.
~Veio depois o romance Monsaraz, Vila Morta. Monsaraz, a sua terra natal, a terra da sua infância e da sua adolescência. Vila Morta, como a saudade e a tristeza lhe faziam dizer. Um romance extraordinário, que os nossos cegos e desatentos críticos ainda não viram, ainda não leram. Que prosa. Feito do granito, da severidade da paisagem, da fita líquida solene e álacre do Guadiana, álacre e trágico, desse rio que corre na alma daqueles alentejanos e que o Padre Martins ainda viu a ser colocado no caixão onde vai ficar sepultado, de que ainda ouviu o som do cavo do martelo e dos pregos a embeberem-se na tampa. Monsaraz, Vila Morta - uma espécie de tragédia grega escrita em palavras redondas, pesadas, densas, pela mão do grande escritor que foi a do Padre Carmo Martins.






 Uma tragédia aberta que não se encerra, inacabada, interminável. Páginas mostrativas da grandeza humana do alentejano que Ésquilo e Sófocles não conheceram, mas que o Padre Martins, que certamente foi companheiro daqueles personagens míticos, quis tornar memoráveis para sempre. Ele próprio foi um desses personagens, na grandeza trágica que se sentia habitar a sua alma. Homem grande. Padre grande. Poeta e escritor grande. Grande demais em tudo para a pequenez em que nos tornámos. Silencioso. Modesto. Mas com uma presença espessa e densa, a furar o silêncio e a desentranhar a modéstia em perfume. Quem o viu de perto sabe que não minto. E terá dele saudade inconsolável que eu também tenho.
Vamos morrendo com a morte dos amigos. Na saudade que temos destes lateja a saudade que vamos tendo de nós.


                                 Manuel Ferreira Patrício-13 de Fev. 2000


domingo, 20 de dezembro de 2009

O Natal.



O NATAl é...

este ano ajudei a construír o PRESÉPIO, há muitos Natais que não punha a "unha" na actividade da construção deste cenário( imaginário)  de uma aldeia da Palestina, aldeia essa que  a CRIATIVIDADE dos "Clãs" transformou em aldeias locais de sonhos vividos e de pedaços de história. Histórias dos avós ancestrais passadas de boca em boca. O NATAL era um tempo especial, o poder da Igreja, digo: - A obrigação da igreja era alimentar em todos nós a necessidade de sonhar e perder o medo. Naqueles tempos as crianças tinham muito medo, medo das bruxas, medo da guarda, medo da mãe, medo do pai, medo da própria sombra  e também medo da Professora primária. Ainda hoje tenho medo!... de muita coisa, sou uma "criança" cheia de medos.
 
Medos esses que limitam a minha existência como pessoa social (TENHO PENA...), o rosto do medo na actualidade pode pintar-se de muitas CORES. Ainda tenho um bocadinho de medo quando vejo a polícia na estrada. Tenho tudo em ordem masss...é sempre de ter receio, normalmente não são muito simpáticos, e, bastava um sorriso e eu perderia o receio inicial.HÁ cerca de dois meses, passei um sinal vermelho na zona das Tílias em Castelo Branco, por coincidência (ou azar), a polícia estava estacionada ao meu lado.Imaginem a sensação de terror quando vi os pirilampos azuis a brilharem e o polícia a bracejar para eu encostar. Até tinha uma desculpazinha pequenininha, mas nesses momentos esqueço-me de tudo e só me apetece estar na barriga da minha mãe. Moral da história fui multado depois de esperar meia hora que os agentes conseguissem entrar num acordo perfeito com o livro de instruções para multas, livro esse que não tinha lá a referida infracção ( ...retomar a marcha ainda com o sinal vermelho no semáforo) Claro, não é muito normal arrancar no semáforo vermelho com o carro da polícia mesmo encostado...acelerei porque estava a sonhar com coisas lindas e ouvi uma buzina do carro que tinha na retaguarda. Paguei 75 Eur e fartei-me de agradecer aos senhores agentes que coçavam a cabeça....- mas o senhor não viu mesmo que o sinal estava ainda vermelho!?... 
...não!... respondi pensando: - (Não iriam compreender...que o sonho comanda a vidaGedeão e momentos antes o pé no acelerador)...só pedi desculpa ...o culpado era eu. E paguei no momento.

 
   
Também tenho medo dos meus semelhantes e companheiros do curto caminho da vida que me cospem um bom dia engelhado como uma castanha pilada -...oooo, diaaa! , dos que encontro nos corredores da existência e espirram um Óiiii! como se eu estivesse carregado de lepra, daqueles que confundem entusiasmo e felicidade, prazer enorme de ser útil (a forma que encontrei de me oferecer à comunidade)  com arrogância, CRAJJJJJ! (Gritaram... este adjectivo bem perto do meu rosto) ouvi essa palavra pela primeira vez em Junho deste ano, porque agito muito as águas dos oceanos onde me "banho". Senti-me um CRAJJJJ, por momentos bebi lágrimas de sofrimento, dúvidas e até tive medo de mim próprio.
  


Depois de muito tempo de ter medo de mim, descubro a resposta no meu livro de coisas boas. Não és assim tão mau rapaz!!! então pensa desta forma!?......-terias a coragem e a  malvadez de enfrentar um teu semelhante (desta curta passagem pela vida) e vomitares palavras craxxxianas?... vomitares as tuas frustrações?... os teus medos. Riscares do mapa dessa pessoa percursos imaginados, vividos e paridos. Terias....!?
Não!!!!!então não és nada disso. Estás salvo e pronto a entrar no reino dos céus...é uma doença dos tempos, as pessoas são assim porque andam sem rumo. Cansadas de terem tudo (DE+) e de não terem sonhos pelos quais devam lutar. Também como tu "GUARDAM"  medos de estimação...



...mas o meu Natal do coração não é nada do que escrevi até este momento. Esse está bem defendido de todos os maus olhados. São os bom-bons de chocolate de 1 tostão embrulhados nas pratas azuis, amarelas e vermelhas. O cheiro das fogueiras, o escuro da minha terra de menino sem luz eléctrica,o retorno dos migrantes às suas famílias, o cheiro também do Natal ( os dias que antecediam a festa tinham um odor diferente). A chaminé negra do lume de inverno, as brincadeiras de rua...O PRESÉPIO na igreja do Padre Martins.
O Natal já não existe ou é raro, assim como a bondade no coração de todos nós, rara...quase extinta, não por mal. Simplesmente por distracção e por falte de dizer: - BOM DIA colega e companheiro da vida! (com um sorriso sincero)  Salgueiro do campo 20 de Dezembro de 2009




A Estrela 

Eu caminhei na noite
Entre silêncio e frio
Só uma estrela secreta me guiava
Grandes perigos na noite me apareceram
Da minha estrela julguei que eu a julgara
Verdadeira sendo ela só reflexo
De uma cidade a nèon enfeitada
A minha solidão me pareceu coroa
Sinal de perfeição em minha fronte
Mas vi quando no vento me humilhava
Que a coroa que eu levava era de um ferro
Tão pesado que toda me dobrava
Do frio das montanhas eu pensei
«Minha pureza me cerca e me rodeia»
Porém meu pensamento apodreceu
E a pureza das coisas cintilava
E eu vi que a limpidez não era eu
E a fraqueza da carne e a miragem do espírito
Em monstruosa voz se transformaram
Disse às pedras do monte que falassem 
Mas elas como pedras se calaram
Sozinha me vi delirante e perdida
E uma estrela serena me espantava
Sophia de Mello   Breyner Andresen 


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Aurora boreal
Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.
Oh janelas do meu quarto
Quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
Falta-me a luz e o ar.
 Gedeão  (da Graciela e da Ana QUERIDA)

                         ...como podes ver , é fácil criar-mos uma obra colectiva a 4 mãos. esta parte é minha e tua.
O "MININO do Penalva"

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

As minhas famílias Suiças Anos 70/80 um mundo de Magia



Anos 70 Zurique, ROMA, Lisboa, Veneza, Marrocos, Pompeia,Sagres e Alentejo







SUSI -Pai João MÓNICA-BELO-Ti VITALINA-Mãe e CABACINHO

sábado, 12 de dezembro de 2009

Sei ...José Régio.Amor a Deus e ao Diabo.



José Régio



Vila do Conde
1901-1969

CânticoNegro





"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!