LOBOS

Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem na alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível

Herman Hesse

sexta-feira, 18 de abril de 2014

O CAMIÃO



A CAMINÉTII do AMARO do RASPÓTI




Amaro Manuel Joaquim Borbinha
1928-2014 (Abril)





Anos setenta (70) após o 25 de Abril. Desembarcaram milhares de RETORNADOS das Ex-Colónias neste canto isolado do mundo. Com eles  também viajaram experiências, inovação e sofrimento pela perda (...Este um dos "fadários "mais duros para qualquer ser humano) duma vida construída a pulso. Foram olhados e recebidos com desconfiança e por vezes maltratados por um povo à defesa e pobre de cultura.

Ao ZARCOS chegou a irmã da Lídia do peças, o marido que é da Glória e cinco filhos (...ou quatro) muito pequeninos...

 anos depois partiram para o Canadá onde estruturaram uma nova vida  e onde hoje se sentem totalmente integrados.



Chegou,  também, um homem soberbo nas atitudes e  que transparecia para todos nós, adolescentes e ávidos de novidades, uma imagem de "SENHOR" 

 Este retornado alto e sempre de calções... com uma madeixa de farto cabelo a cair-lhe para os olhos, constantemente a ser arrumada por  gestos subtis, sentia-se bem com a malta nova, tivemos sorte por muitos motivos, fomos acarinhados e era na oficina que passávamos a maior parte dos dias...muitas vezes encheu o carro de rapaziada para ir almoçar a Borba. Numa dessas tardes e de regresso ao ZARCOS desafiou o grupo:

-E se fossemos agora a Lisboa? E porque não...lá fomos todos a caminho da capital. Quando chegámos...deu meia volta e voltámos novamente para o ZARCOS...



Assentou arraiais num dos "casões do Madeirinho", nas traseiras da "central da luz", montando uma oficina de pintura e bate-chapas. 
Refiro-me ao "ROGER", o grande ( também de altura) e humano  ROGER, casado com uma senhora da terra (FILHA do FLOSA??) funcionária da polícia judiciária.



 

Foi através do Roger, e era por este nome que  sempre foi conhecido, que tive um convívio mais chegado com o Amaro do Raspóti e o seu camião...mais um nome  de referência na freguesia assim como outros perpectuados neste espaço. Sobejamente importante pela sua actividade  (devido à especificidade da profissão) e por estar ligado à família dos Gatos (UMA MAIS VALIA).

Raspóti e Gatos, Mãe da MARIALICE, velho Raspóti e toda a azáfama em volta de mais um comércio.  







São estes pormenores que me passam pela memória e o tal acontecimento com o ROGER num  distante Verão, talvez em 1976... o Amaro foi com a sua "CAMINÉTI" fazer um frete a uma propriedade, concretamente carregar os fardos de palha... Estava muito calor, o pasto seco e o motor a trabalhar mal... Todos estes factores juntos deram origem a um incêndio que destruiu por completo a "FERRAMENTA" ganha-pão do Amaro ( a sua "CAMINÉTI"),
Mas o ROGER entrou em cena com a sua veia humanista e prontificou-se a ajudar um homem desesperado e sem solução à vista para dar volta à vida.
Fui com eles numa longa viagem de um dia interminável, em busca de "ferro-velhos" para comprar um motor e uma carcaça de veículo de carga.
Viajámos pelo Ribatejo,,, Abrantes e arredores de Lisboa.






O assunto foi resolvido e o Amaro após alguns meses  continuou a fazer fretes e por muito anos.
Do Amaro relembro algumas das características da sua figura franzina, um discurso calmo e curto e o olhar profundo e terno. Uma silhueta parada e observadora. Amaro do Borbinha esperava sempre qualquer coisa - os clientes ou um dedo de conversa.
A seu lado, e em todos os momentos, viveu uma jovem e simpática mulher, ainda hoje o é ... a Paulina do Sebastião. Nestes dias mergulhada na Saudade dos TEMPOS, que o TEMPO passava devagar, do som da caminéti do seu  AMARO e da organização da dinâmica familiar estruturada pela sociedade..."BORBINHA - Gato. Lda












O AMARO do RASPÓTE
 

...deixou-nos um destes dias  (03 de Abril). O CAMIÃO há muito que tinha partido ... e com estas ausências ficamos um pouco mais pobres de referências.
A comunidade que foi um dia a nossa vida está hoje ainda  mais reduzida,  restam poucos da geração que nos "abriu os horizontes e nos facultou a LUZ".
PAZ ao AMARO



Arcos 1979-Paulina,Adélia, Maria Joana, Céu Barata, Bernardina (Professoras),  e dona Gisélia.


Grato à Paulina por me ter facultado as fotografias.
E ao ROGER homem sábio, inesquecível e genuinamente simples que enriqueceu a nossa adolescência e foi   uma referência imprescindível para desenvolver este pequeno artigo sobre um dos companheiros de juventude do meu PAI.  

alvaroramos@esal.edu.pt