LOBOS

Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem na alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível

Herman Hesse

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

THE LAST CUT - PECURÉ




segunda-feira, 23 de agosto de 2010

THE LAST CUT - PECURÉ

O " PÉCURÉ CORTA ORELHAS"- O ÚLTIMO BARBEIRO


HISTÓRIAS do MEU QUINTAL

SENHOR JOSÉ PROENÇA
Filme " PÉCURÉ CORTA ORELHAS"- O ÚLTIMO BARBEIRO
(Visualizar em 720p em ecrã inteiro para qualidade Hd)
17 de FEVEREIRO de 1917

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“Pouca coisa é necessária para transformar inteiramente uma vida: AMOR no CORAÇÃO e
um sorriso nos lábios.”
Martin Luter King


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A Memória dos lugares
Depois de passar seis rios e três cadeias de montanhas surge ZORA, cidade que quem a viu uma vez nunca mais pode esquecer. Mas não por ela deixar como outras cidades memoráveis uma imagem fora do comum nas recordações. Zora tem a propriedade de ficar na memória ponto por ponto, na sucessão das ruas, e das casas ao longo das ruas, e das portas e das janelas das casas, embora não apresentando nelas beleza ou raridades particulares. O seu segredo é o modo como a vida percorre figuras que se sucedem como uma partitura musical em que não se pode mudar ou deslocar nenhuma nota. O homem sabe de cor como é Zora, nas noites em que não se consegue dormir imagina que anda pelas suas ruas e recorda a ordem em que se sucedem o relógio de cobre, o toldo às riscas do barbeiro, o repuxo dos nove esguichos, a torre de vidro do astrónomo, o quiosque do vendedor de melancias, a estátua do eremita e dom leão, o banho turco, o café da esquina, a travessa que dá para o porto.AS cidades invisíveis-Calvino
 
Esta cidade que nunca se apaga da mente é como uma armação ou um reticulado em cujas casas cada um pode dispor as coisas que lhe aprouver recordar: nomes de homens ilustres, virtudes, números, classificações vegetais e minerais, datas de batalhas, constelações, partes de um discurso. Entre todas as noções e todos os pontos do itinerário poderá estabelecer um nexo de afinidades ou de contrastes que sirva de memória, de referência instantânea. E assim é de maneira tal que os homens mais sábios do mundo são os que conhecem Zora de cor.
Mas foi inutilmente que parti em viagem para visitar a cidade: obrigada a permanecer imóvel e igual a si própria para melhor ser recordada. Zora estagnou, desfez-se e desapareceu. A TERRA esqueceu-a. 

S. Mateus em Elvas-SET. de 1939
Mocidade de BORBA
Mestre Zé o da PISCAINHA


HOMO-erectus-o BARBEIRO



Mestre Pécuré. Homem de assuntos curtos, pequenos desabafos e olhares de leitura do meio envolvente.

 Ironias servidas com seriedade, intervaladas com copos pequenos ( de3 tostões) do elixir dos DEUSES, na pedra fria da taberna do lado.
Muitas horas, muitos dias, meses e anos sempre no seu posto; em PÉ.
Horas compostas por gestos repetidos, ano após ano. Pedaladas regulares em “visitas de médico” às casas dos quase defuntos, dos defuntos que transportariam as ferramentas do "DELITO" para a eternidade. Uma caridade aos inválidos, a limpeza do rosto e da cabeça, para a viagem próxima da alma.
O tilintar, ritmado, da tesoura gasta por tantas andanças e cabelos cortados.
As palavras saem, os assuntos cruzam-se entrelaçados de cor-terra, enfeitados pelos
brancos rosados das pedras tiradas a ferros do ventre da Mãe Natureza.
Rostos desenhados pelo queimar do intenso sol dos anos, plantados em redor de 2 tronos
de metal reguláveis, esperavam pacientemente numa fila em forma de U, sentados no lugar de descanso…a ausência de energia era notória.
O FIM do DIA, na BARBEARIA do”Pécuré”, manchas artísticas nas paredes de cal. 



Desenhadas pelos “pincéis” do tempo. Telhado cansado por muitas estações passadas,
tabiques alinhados em traves de pinho primorosamente pintadas. Lugar fresco e limpo.
Sempre primorosamente limpo.




Os dois espelhos, alinhados, reflectem memórias; “FANTASMAS” que continuam
a “VIR”. Os espelhos escondem mundos sem idade, que nos olham e nos interrogam e
exigem atenção da nossa parte. Também imagens reais são reflectidas, ainda, por estes
rectângulos mágicos.





Os hábitos e os gestos não ficaram perdidos no passado, perduram ainda hoje…um pouco
mais lentos... O MESTRE precisa de descanso. A sociabilizaÇão ainda existe (não como antes) neste espaço de uma casa de família transformada em BARBEARIA- naturalmente,
a chegar ao fim de vida.




Continuar, porquê?! E, para quê!!
Nada será como outrora.
Vida longa, uma imensa soma de anos (…sempre em PÉ, repito), nesta casa. A
Reforma não chegou para poder descansar. Homens desta fibra só param no fim do caminho e porque as forças já não ajudam. Esse limite não sabemos ainda quando será.
Pécuré, corta-orelhas...
Cadeirinha pequenina sobre o trono rotativo de metal manobrável para posições de
conforto.







Cadeirinhas para os seres inocentes chegarem às mãos do MESTRE.
Nós, seres frágeis, medrosos e respeitadores, rendidos à realidade.
Esta pequena viagem, ao barbeiro, comparava-se a outras, também pequenas, viagens
anuais da pequenada.
Viagens …de IR:
…ir levar as vacinas.
…ir cortar o cabelo.
…ir levar o cão ao “COLISEU” da ROSADA para a injecção do veterinário.
Ou ainda:
Ir tirar as medidas para umas botas à do Sapateiro da Rua de Borba.
RITUAIS de apetência obrigatória.
-Está quieto, senão corto-te uma orelha.
Pescoço inocente, suporte de uma cabeça medrosa, nas suas mãos MESTRE. Mãos
macias de escultor de cabeças.
-Levanta mais!







-Tá quéto ca cabeça, este rapaz na é capaz de tár parado um bocado.
Ainda te corto uma orelha.
-Alvarito, na tenhas medo…ele tá a brincar. Ãeiii, Mestre, não éiii?! (Vizinha Alcina).
Pequenos cortes ardentes-fogo apagado pelo passar da fresquidão da PEDRA-UME.
O Homem dos óculos, grisalho. Sempre grisalho, desde o início das minhas memórias.
Acompanhou-nos no nascimento, na JUVENTUDE e fez-nos homens. Sempre ao ritmo
Cadenciado do seu respirar e do movimento sonoro da tesoura. Outras ferramentas
entraram em cena, esteve sempre aberto à inovação, adoptou sempre as novidades
da profissão. De ouvido atento aos discursos da juventude que vinham ansiosos por
novos cortes. Nunca, na sua longa vida de BARBEIRO de ALDEIA, se sentiu ameaçado
pela entrada em cena de outros mestres do mesmo ofício. Sem grandes concorrentes à
altura…honra seja feita à BARBEARIA do Sevilha, uma continuação do Mário do Piléca.
Esta sim, tornou-se de certa forma a primeira escolha da JUVENTUDE. Mestre Zé, nunca
Teve medo do roubo da clientela, fazia-nos algumas perguntas timidamente, com a curiosidade de
quem queria estar a par do que se passava para os lados do RASPÓTE. Tão pouco
lhe meteu medo a entrada “REVOLUCIONÁRIA” dos BEATLES…o tempo dos cabelos
compridos.
O talco perfumado da caixa de cartão amarelo. O SPRAY fresco, saído pelo aperto da
pêra de borracha, fazia arder os cortes invisíveis ao olhar por onde andou a navalha
Afiadíssima do Mestre Zé. Pincel adornado de espuma e os últimos retoques na linha de
contorno da mancha castanha. O corte está terminado-um alívio, já me posso levantar. O
estalo da toalha branca era o convite para o próximo. A “VARINHA-MÁGICA” do MESTRE
tinha feito mais um milagre. ESTAVA MAIS NOVO…as mãos sábias do “BARBEIRO
CORTA ORELHAS”…fizeram milagres.





Tiraram-me anos à vida já vivida. Sair pela porta dos vidros de barulho familiar, ao arrastar
o seu peso pelo chão. A porta do trinco de 1 só dedo. Encher os pulmões de ar e com
um sorriso de ORELHA A ORELHA, depois de ver se estão no sítio (Afinal fiquei com as duas…é só uma lenda).
VIAJANTE DE MEMÓRIAS

 
Santa Luzía- 28/08/1983




Numa folha dobrada e aberta vezes sem conta, amarelecida pelo uso, ou num bloco
Pautado, o Mestre Pecuré transformava-se em SR. José Proença. Vestia agora uma nova
Pele (sempre achei que era a pele com que se sentia bem).
Dinamizador e construtor de SONHOS e dos itinerários nobres pelos caminhos de
Portugal.
Das suas listas faziam parte nomes de famílias com presença em todas as viagens e
outros que vinham uma vez por outra-Arcos, Borba , Glória e Nora eram os lugares da
Clientela das EXCURSÕES do SR. Proença. Os cestos de verga e os garrafões forrados
a vime eram sinal que havia festa no horizonte. O Povo estava preparado para mais
uma viagem sonhada e preparada durante vários meses. Curiosidade, entusiasmo, camisas
brancas bem passadinhas-lá partia o grupo numeroso para mais uma aventura de
Prazeres feita.
SERRA da ESTRELA-BOM JESUS de BRAGA-FÁTIMA-VIANA do CASTELO e as Festas


Bom Jesus-Braga início dos anos 60 
penso que consigo identificar algumas destas personagens
Cristo marido da Laura,?,? mulher do saramago,?,?,?,?(cima)
(Baixo)-Mãe do chico do Magano, Magano, Leopoldina da Lebre, Minha Mãe, ?, Meu pai e pécuré, ?
O último da parte posterior, alto de chapéu, parece-me o Saramago, Pai da Joana, falecido este mês

 
da Senhora da AGONIA eram, na época, os locais da moda, as ROMARIAS dessa época.


Pai ao fundo,?, João Gonçalves da carpintaria


O ALGARVE ainda não tinha sido descoberto nem se conhecia o significado da palavra
BRONZEADO.


Cima ?, ?, mulher do Abelho, Abelho
baixo-Grizéu e Férrinho


Nos anos 50 e 60, seria uma forma espontânea de trazer cultura às gentes da província, com
uma abertura de horizontes e conhecimento; O POVO TRABALHADOR, cansado, tinha uns
dias para esquecer a repetição dos dias com os afazeres do costume.
METÓDICO-EXIGENTE-EMPREENDEDOR e ATENCIOSO, era a nova vida do MESTRE
ZÉ.
O SENHOR, transformado pelas novas funções, encarnava agora o “MAESTRO” de uma longa
lista de nomes que esboçam ainda hoje rostos, sonhos e desejos. 
Ténues sonhos que se
esvaziavam com a continuação dos dias.
A chegada~, sempre silenciosa. Camisas enxovalhadas e cansaço nos olhos,
cada um, ou em pequenos grupos, procurava o caminho mais curto para as suas casas.
Rostos adornados por sorrisos cansados de tantos quilómetros palmilhados. Adivinhavam-se
pequenas histórias para contar e recordações que passariam para os netos ou amigos que
ficaram em terra.
O Mestre Proença cumpriu. Mais uma vez - tudo correu bem.
Até à próxima viagem.

A FAMÍLIA e o AMOR-ESTRUTURA de UMA VIDA



 
Consolado-BiAurora-Vizinha Alcine-?-Mestre Pecuré e Tózeii



Pecuré, Mestre Zé ou Senhor Proença, são a mesma pessoa. Mas uma pessoa que não
se pode dissociar de uma FAMILIA estruturada na união e no amor.
Faço uma pausa, visiono as imagens que passam intercaladas na minha mente e, que,
abrangem cinco décadas em que vivi paredes meias com esta boa-gente…não consigo
isolar o Mestre. Nas minhas recordações ele está sempre no contexto familiar. Desdobrou-
se em afazeres diferenciados mas sempre com a FAMÍLIA como estrutura a completar o
círculo da sua vida.
Um bloco rígido e harmonioso (…sei do que falo, sou uma testemunha real).
O Mestre é também sinónimo de VIZINHA ALCINA, BI AURORA ou BI NÁCIA. A
estes nomes acrescentarei outros para os completar:
Beleza, Simpatia, Bondade, limpeza, alegria e FELICIDADE.


BINÁCIA e BIAURORA


No Panorama muito difícil que é viver, diariamente, numa terra pequena como o ZArcos,
onde todas as pessoas se conhecem desde sempre e que partilham entre si alegrias e,
também divisões. Esta foi sempre uma FAMÍLIA unida, modelada pelo respeito e o prazer
de fazer bem. Nunca, em todos os anos que com eles convivi, assisti a desentendimentos
ou rostos cobertos de amargura-lembro que nem mesmo no momento mais difícil das suas
vidas: o acidente sofrido pela vizinha Alcine, algo que nos assombrou a todos. Este
acontecimento, gravíssimo, foi ultrapassado com muito sofrimento mas nunca fez
perder o sorriso e a vontade de viver a esta SENHORA bondosa e simpática.
Por todos os motivos descritos, recordações que me envolvem e aos meus VIZINHOS,
ficarão para sempre na melhor parte da minha vida, ainda hoje entro na casa da vizinha "Alcine", sem tocar no Botão da Campainha...entro porque está sempre a chave na porta-chamo-a e oiço o meu nome lá no fundo da cozinha, posso estar sem lá ir meses ou anos, o Ritual repete-se.. OH! Alvarico estou aqui!!!. Sinto-me em casa de Família, abraço a "MULHER" como abraço minha Mãe ( continuo conscientemente a abraçar minha MÃE da qual sinto saudades sem fim). A sua voz meiga, doce amiga ecoa-me no coração e faz de mim aquela criança feliz que correu de joelhos feridos todos os cantos da rua NOVA, obrigado querida vizinha pelos abraços apertadinhos. Este é um nome , uma pessoa e uma
FAMÍLIA perfeita e útil para as gentes do ZARCOS. Foi sem sombra de dúvida.
UMA FAMÍLIA VERDADEIRAMENTE FELIZ.

O ÚLTIMO CORTE MESTRE...que viva em PAZ por + alguns ANOS. 
 
OBRIGADO por todas as gerações que passaram pelas suas mãos.
2010-1917=93 anos de idade
Pécuré...CORTA CABELOS!!!
 
( UMA PALAVRA de apreço para um homem que além da BELEZA, tinha CULTURA e visão de Futuro- Um HOMEM que estava à frente da sua ÉPOCA - o PAI do TóZÉ, Consolado de BORBA,PESSOA simples que se refugiou em outros mundos para tentar esquecer a dureza dos comportamentos sociais. Um inadaptado mas um HOMEM ESPECIAL de BONDADE e inteligência. Que esteja em PAZ marido da BIA AURORA )