LOBOS

Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem na alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível

Herman Hesse

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O GUARDADOR de REBANHOS


O RAPAZ de BORBA que foi sempre doZARCOS

ROGÉRIO da CONCEIÇÃO BRINQUETE FAIA
1957-13 /02-2016





O Rogério, o rapaz silencioso, afável, HUMILDE  e graciosamente simpático...foi um dos rapazes da minha geração. Pouco tenho para escrever, nenhumas histórias me ficaram do Rogério. No entanto é uma personagem que me deixa curioso, exactamente por não ter história nenhuma para contar. Mas, tenho presente a sua imagem, quase sempre só, longe de todos, silencioso e cheio de afectos ,,,o seu olhar. 
Surpreende-me o ROGÉRIO Faia ser de BORBA, se foi noZARCOS , desde a ESCOLA PRIMÁRIA que sempre nos fez companhia, sem pretensões e... se tinha SONHOS???!... enquanto nós nos afogávamos em desejos e ambições, nunca os revelou. Viveu serenamente, um tempo de espera. O Faia permanecia gastando  a luz de sua vida em sossego, sem exigir muito dela, quase sem  palavras e mergulhado num esboçado e permanente sorriso. É assim que o recordo, há vinte e poucos anos atrás, quando estive com ele a última vez.
Guardou rebanhos penso eu...e permaneceu em mim , como um ROSTO habitando-me,,,de bondade e PESSOA de bons princípios.
Para ele deixo o outro PESSOA disfarçado de Alberto.
Obrigado Rogério Faia , a tua SIMPLICIDADE foram flores "PRIMAVERIS". O teu caminho, nobre...de outra forma não estaria aqui, neste lugar a falar para TI.





Reflexivo e  triste, falando com os meu BOTÕES ; fazendo contas aos momentos que nos restam a todos. 


Eu nunca guardei rebanhos,


Mas é como se os guardasse.


Minha alma é como um pastor,


Conhece o vento e o sol


E anda pela mão das Estações


A seguir e a olhar.


Toda a paz da Natureza sem gente


Vem sentar-se a meu lado.


Mas eu fico triste como um pôr de sol


Para a nossa imaginação,


Quando esfria no fundo da planície


E se sente a noite entrada


Como uma borboleta pela janela.


Mas a minha tristeza é sossego


Porque é natural e justa


E é o que deve estar na alma


Quando já pensa que existe


E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.


Como um ruído de chocalhos


Para além da curva da estrada,


Os meus pensamentos são contentes.


Pensar incomoda como andar à chuva


Quando o vento cresce e parece que chove mais.


Não tenho ambições nem desejos


Ser poeta não é ambição minha


É a minha maneira de estar sozinho.


E se desejo às vezes


Por imaginar, ser cordeirinho


(Ou ser o rebanho todo


Para andar espalhado por toda a encosta


A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),


É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,


Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz


E corre um silêncio pela erva fora.


Quando me sento a escrever versos


Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,


Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,


Sinto um cajado nas mãos


E vejo um recorte de mim


No cimo dum outeiro,


Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,


Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,


E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz


E quer fingir que compreende.


Saúdo todos os que me lerem,


Tirando-lhes o chapéu largo


Quando me vêem à minha porta


Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.


Saúdo-os e desejo-lhes sol,


E chuva, quando a chuva é precisa,


E que as suas casas tenham


Ao pé duma janela aberta


Uma cadeira predileta


Onde se sentem, lendo os meus versos.


E ao lerem os meus versos pensem


Que sou qualquer cousa natural -


Por exemplo, a árvore antiga


À sombra da qual quando crianças


Se sentavam com um baque, cansados de brincar,


E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.


Mas se Deus é as árvores e as flores


E os montes e o luar e o sol,


Para que lhe chamo eu Deus?


Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;


Porque, se ele se fez, para eu o ver,


Sol e luar e flores e árvores e montes,


Se ele me aparece como sendo árvores e montes


E luar e sol e flores,


É que ele quer que eu o conheça


Como árvores e montes e flores e luar e sol.


Alberto Caeiro