TEMPO de NINGUÉM

Não há Nada que Resista ao Tempo

Não há nada que resista ao tempo. Como uma grande duna que se vai formando grão a grão, o esquecimento cobre tudo. Ainda há dias pensava nisto a propósito de não sei que afecto. Nisto de duas pessoas julgarem que se amam tresloucadamente, de não terem mutuamente no corpo e no pensamento senão a imagem do outro, e daí a meia dúzia de anos não se lembrarem sequer de que tal amor existiu, cruzarem-se numa rua sem qualquer estremecimento, como dois desconhecidos.
Essa certeza, hoje então, radicou-se ainda mais em mim. 

Fui ver a casa onde passei um dos anos cruciais da minha vida de menino. E nem as portas, nem as janelas, nem o panorama em frente me disseram nada. Tinha cá dentro, é certo, uma nebulosa sentimental de tudo aquilo. Mas o concreto, o real, o número de degraus da escada, a cara da senhoria, a significação terrena de tudo aquilo, desaparecera.
Miguel Torga, in "Diário (1940)"


30 /08/2000
Uma CARTA para TI-MÃE!

16

30-08-2016

Faz hoje 16 anos, que partiste numa viagem sem retorno,  na ARCA da ilusão. Escrevo-te, sem utilizar a poesia de poetas nem colocar FLORES ANIMADAS ou pequenos truques digitais.




Quero falar-te sobre os meus assuntos, as coisas do SÓTÃO da consciência.D,,, aquelas conversas simples que sempre partilhámos em redor da mesa da cozinha, os meus desabafos, as iras e as muitas contradições. Num limpar de boca, rodilha amassada. Ouvias, olhavas-me e saiam-te as mesmas palavras embebidas de "sangue"-dorido de quem sabia ler a vida e o futuro. As palavras  de sempre. As minhas atitudes, os medos, e os avisos de ...SEMPRE!...

Só queria partilhar o peso do crescimento, foste sempre a minha segurança , o suporte da LOUCURA que me construiu em PESSOA. 
De olho em TI resolvia por patamares,  pedra sobre pedra o meu projecto de VIDA, senti (...N)do que o FUTURO estaria do outro lado do MUNDO

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 Naquele TEMPO estava longe de saber, que os dias passariam  tão depressa, que os anos se contavam às décadas- pensava (EU)iludido que seriam eternos , os momentos da visita ;- QUE me poderia sentar em volta da mesa para sempre.
E tu MÃE limparias a boca com a rodilha para sempre e ouvias-me  com as mesmas preocupações, medos e avisos de CAUTELA...

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Mas o tempo pregou-me uma partida.

Já não há mesa, a loucura deixou-me aos poucos e o entusiasmo senta-se a meu lado porque tu estás a ver. 
Prego aos sete ventos, as minhas dúvidas, as dores da caminhada e hoje também os meus MEDOS iguais aos teus.

O CONDOR perdeu as ASAS ...só o coração VOA.

Ninguém tem um tempo para mim,  quando me apetece falar de EMOÇÕES,da vida, das coisas que me preocupam, ou ser palerma aos bocados. 
Ninguém pára e me dá um pedaço do tempo-para me sentar e DIZER coisas sem importância ou confrontar-me verbalmente com as minhas contradições.


Ninguém já tem TEMPO e não há 

LULUGARGAR

onde o possa comprar.

NADA nem ninguém preencheu o teu espaço ao acordar; não há mesa redonda, olhar como o teu-fragilidade como a tua, porque sem defesas, viveste para mim. Viveste a tua vida por mim e pouco  me pedias, só um abraço, e que me sentasse .
 

Diz lá filho!...


Qqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqqquerias 
falar sobre as tais coisas do final.
 

Eu não...






Os locais onde estavam guardadas o que restava das últimas preocupações.

Eu não queria saber...não havia espaço de reflexão para os medos, que só tu sabias decifrar.

Não queria saber de nada que me afastasse de ti, tentei esticar o tempo até aos limites, ignorar a realidade que te estava a consumir aos poucos. Não parava. Ouvia-te mas seguia a voz que me empurrava, e deixava-te sozinha em volta da mesa, a fragmentares-te, toda tu eras dor, pelas minhas escolhas.

Hoje acordado, sinto-me no teu lugar, é-me fácil ter a certeza que tudo o que dizias e profetizaste, é verdade.
Mas escrevi a vida de uma forma possível. Construí um muro, emparedei-me /// encurralado. Penso em ti muitas vezes durante o dia e não só uma vez como dizias que iria acontecer...
Conto e RECONTO pelos dedos, as imagens que me visitam,,, o teu ROSTO. 
Das preocupações sofridas, que te ocupavam a mente e me repetias em volta da mesa da cozinha, com a rodilha ao colo e o teu ar de preocupada.
 

 

Tinhas razão MÃE! DESCULPA...

FAZ HOJE

16 Anos, três dias antes levantei-te sobre a cama e pedi para partires. porque te consumiste, já não tinhas nada de ti - na terra para mim - o AMOR foi a tua PERDIÇÃO, desde que nasci num dia,,, em MAIO das flores e da CALINA no quarto escuro cheio de desenhos fant+Ásticos, pinceladas de DEUS na caliça da parede húmida.

O AMOR por mim.


-HOJE tenho TUDO, que  daria para mais de 100 anos. MAS,,,para que serve?...


Nada desapareceu!!!!...  daqueles tempos,,,
 

Lembro-me

,,,permanecem em
mim todos os lugares, todos os gestos, odores e tragédias-Todas as Culpas e pecados-  tudo!
E OIÇO a tua voz...

Toma cuidado FILHO!...

Tudo resiste ao rápido passar das décadas...a multidão, as sombras e o silêncio. 
AUSÊNCIA de todos vocês. apaga-me a chama aos poucos...

-SERÁ que tu exististe??!
 NA MINHA VIDA-por vezes , penso que criei um mundo imaginário, onde contigo VIVI, e hoje me visitas em SONHOS...

Desculpa MÃE!

-ToMa cuidado!...

-ToMa cuidado!...

-TáBEIM!! MÃE …
 

MARIA LUÍSA 



9 de Abril 1926
30 de Agosto 2000 
30 de Agosto de 2016