(Clara Ferreira Alves, in Expresso, 16/09/2017)
Na
semana em que assistimos à destruição das Caraíbas e a mais um furacão,
a Apple lançou um novo telemóvel. O lixo tecnológico irá para
cemitérios em África
Acabámos
de assistir à destruição das Caraíbas. Não da Florida, que concentrou
as atenções, mas das Caraíbas, e nestas incluo Cuba, que passou
despercebida, e as Keys americanas, habitadas por gente que deseja
escapar da América e do modo de vida americano. Um modo de vida
insustentável e sustentado pelo turismo terminou com o furacão. Milhões
de pessoas ficaram sem casa, sem emprego, sem vida. Apesar da ajuda
humanitária e financeira, e das boas intenções da reconstrução, as
Caraíbas vão demorar anos a serem reconstruídas. E até lá poderão ser
destruídas por outro furacão.
É difícil não olhar para o espectáculo sem concluir que o sistema capitalista atingiu aqui o ponto primeiro de implosão. Ocupado em sobreviver e replicar, em “crescer”, como um sistema orgânico, o capitalismo triunfal esqueceu-se de um planeta tornado inabitável devido ao egoísmo, cupidez e ganância. Sem adversários, persegue o lucro como um vírus que destrói o hóspede.
Toda
a gente fala em desenvolvimento sustentável e ninguém o pratica a
sério, exceto em situações de nicho em que um grupo de milionários ou
multimilionários cria a própria reserva natural. O comunismo soviético
ou chinês, o histórico adversário, revelou-se ainda mais assassino
destrutivo do ambiente do que o capitalismo. Não admira que os
visionários de Silicon Valley e Seattle, que tanto têm contribuído para a
destruição da Terra, estejam a pensar em Marte.
A
revolução tecnológica, e as componentes de engenharia genética e
inteligência artificial, que tornarão uma boa parte da humanidade
excedentária, as alterações climáticas e a sobrepopulação das zonas de
abandono, guerra e pobreza, tornarão a vida impossível. As gerações
futuras não existirão. Os plásticos já ultrapassam os peixes nos
oceanos. Em compensação, um pequeno grupo de privilegiados está a criar
os mecanismos da sua sobrevivência e replicação. Pelo menos dois autores
com popularidade têm alertado para tais riscos de morte, o israelita
Yuval Hariri e o americano Jeffrey Sachs. E, de certo modo, Elon Musk. A
imoralidade da proposição não deterá a marcha. Todos os dias, em todos
os lugares, assistimos à predação do ambiente sem que os agentes
políticos mexam uma palha. A direita está ocupada em defender o sistema
sem reforma, o “crescimento”, e a esquerda está ocupada em policiar o
pensamento e defender quotas de voto. Nenhum sistema político consegue
inverter a estupidez global. Ou, na língua franca do mercantilismo
político, make our planet great again, como Macron disse ao
insustentável Trump.
A
situação das Caraíbas já era uma decorrência disto. Quando visitei as
Bahamas, pensei que estava no paraíso, mas os nativos não beneficiavam
do paraíso nem faziam por isso. As ilhas eram o recreio de turistas e de
multimilionários como o mágico David Copperfield, estrelas de cinema e
da música ou capitalistas da Europa e de Wall Street. Entre os offshores
e o turismo sem freio, a população das ilhas mais não era do que um
corpo de servos. Um escultor nascido em Nassau, com quem falei, dizia
que o paraíso estava condenado em meia dúzia de anos. Sheldon Adelson, o
riquíssimo dono de hotéis e casinos, construíra Atlantis, um complexo
hoteleiro género Disneylândia, um monstro na paisagem, onde empregava
alguns locais. Atrás dele, investidores chineses e dinheiro do Golfo
Pérsico preparavam-se para replicar a receita e construir mais e maior.
Privatizando as praias azuis e límpidas, deixaram para a população as
praias de areia suja e água turva, perturbadas pelas descargas dos
esgotos ou o lixo. Nassau, a capital, era um ponto de desembarque dos
cruzeiros, e a rua principal uma mistura de pubs e lojas duty-free. A
fraca infraestrutura servia os turistas dos cruzeiros, aves de
arribação. No resto da ilha, predominavam casas de estrangeiros
abastados e um complexo de terceira idade, de superluxo, onde vivia Sean
Connery. Os locais tinham por isto tudo uma mistura de indiferença e
orgulho. Logo abaixo das Bahamas, as Turks e Caicos eram o domínio
privado de meia dúzia de bilionários e amigos que tinham construído
pistas de aviões para os jatos, centros de meditação, piscinas e
ginásios, pequenos paraísos cheios de preocupações ecológicas restritas
ao perímetro. O resto punha a farda e o avental.
Como
bem notou Jeffrey Sachs, com exceção de Richard Branson nenhum destes
proprietários apareceu a defender a necessidade de ajudar
financeiramente a região e a população. Muito menos Wall Street. No
ponto em que estamos, o sistema capitalista apoderou-se de tudo e a
população mundial esclarecida permanece gelada. Alguém se há de ocupar
disso. Na semana em que assistimos à destruição das Caraíbas e a mais um
furacão, a Apple lançou um novo telemóvel. Fora com o velho. O lixo
tecnológico irá para cemitérios em África. O sistema é tão inteligente
que inventou uma maneira de rentabilizar a catástrofe através do
espetáculo em direto proporcionado pelos media e os telemóveis. As
pessoas filmam a própria desgraça e oferecem-na grátis. As televisões
inventam o interminável direto dentro da tempestade para cativar a fugaz
audiência.
Uma fotografia da autoria de Justin Hofman, que mostra um cavalo-marinho a agarrar um cotonete, é finalista do concurso de ‘Fotografia do Ano sobre Vida Selvagem’ do Museu de História Natural de Londres. O tema da imagem é contundente: o estado da poluição dos oceanos.
A
imagem foi tirada pelo fotógrafo norte-americano no ano passado perto
da ilha de Sumbawa, na Indonésia, naquelas que serão algumas das águas
mais poluídas do mundo. “A água contém cada vez mais objectos
não-naturais, maioritariamente pedaços de plástico, e uma camada de
resíduos sanitários cobre a superfície”, explicou.
Papa Francisco
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