A IRMÃ DO BELMIRO
(Joaquim Vassalo Abreu, 29/11/2017)
Soube que a irmã mais velha de Belmiro de
Azevedo morreu esta quarta feira no Instituto de Oncologia do Porto,
vítima de doença prolongada. Ninguém falou dela…
Nos poucos momentos que vejo TV, por
exemplo ainda há pouco à hora do jantar, correndo os canais, só via
individualidades comentarem os grandes méritos de Belmiro, que não
contesto que alguns tenha, mas da sua irmã nem uma palavra. Desconheço
se os tinha ou não mas, para Mulher, de certeza que os tinha.
A morte é a mais solitária e conclusiva
das coisas da vida e, perante ela, somos todos iguais. Porque, perante
ela, ao recordarem-se méritos e percursos de vida, deixamos de o ser,
inapelavelmente deixamos de o ser. Assim como que a vida fosse uma coisa
etérea que se desvanece no seu fim e, lembrando apenas alguns, faça com
que a própria vida se torne mais pequena.
Da esposa de Belmiro, por exemplo, alguém
alguma vez disse uma palavra? Se por detrás de um grande homem, como se
diz, está sempre uma grande Mulher, que seria do Belmiro sem ela? E sem
a sua Irmã e Família, já agora? Na morte tudo se relativiza e qualquer
elogio fúnebre é circunstancial porque, quer queiramos quer não, de
repente tudo se desvanece e dos chamados de importantes restará uma
estátua ou nome de rua, mas só enquanto o tempo, esse terrível ofuscador
da memória, não tratar de os mudar.
A Irmã do Belmiro ficará incógnita e sem estátua ou nome de rua. Mas eu não sei, e nunca saberei, quem foi mais importante, ou melhor, quem realizou melhor a sua vida, enquanto passageiro num determinado tempo do infinito, que é o que nós somos.
E nessa passagem ínfima pelo tempo
nascemos como nascemos e somos destinatários de uma missão: continuar a
Vida, neste caso na Terra, para que o futuro seja assegurado pela
continuidade das gentes. Gentes que, nesse ligeiro entretanto, cumprem o
seu papel essencial: o de assegurar essa continuidade.
Neste contexto a Mulher claramente que
tem um soberano papel mas, como se diz, dela não reza a História, salvo
pequenas excepções. A História fala de conquistadores, por exemplo. Mas o
que são ou foram os conquistadores? Conquistaram o quê? Ocuparam pela
força terras de outros, muitas vezes matando indiscriminadamente milhões
de seres seus donos, foi o que foi! Usurparam foi o que foi! Em nome de
quê? Do poder do mais forte. São os que na História pelos seus grandes
feitos na mesma aparecem em letras douradas. Por tenebrosos feitos…
A História fala também dos descobridores.
Mas que descobriram eles? O que não sabiam que existia! Mas que existia
e, não sendo terras virgem, inóspitas ou desertas, eram ocupadas por
Gente! Gente que das Mulheres saiu…Gente que nelas vivia, delas vivia e
delas tratava…E tratava da sua continuidade!
E ocuparam, como sempre fizeram, fazendo
dos donos e nativos dessas terras seus escravos…Porquê? Porque era gente
inferior e sem as suas culturas…Esses são os donos da História, os que
descobriram, conquistaram e submeteram para glória de um qualquer poder,
abusivo e iníquo poder.
A História desenvolveu-se como se
desenvolveu e aqueles que realmente descobriram e inovaram, os
cientistas por exemplo, nunca foram donos das suas descobertas: foram
sempre os seus poderosos amos. Os que descobriram os iões, o nuclear, as
fusões, e tanta coisa mais, vendo nisso um progresso para a sua
Humanidade e para seu bem, viram essas mesmas descobertas confiscadas
para usos militares que, qual roda da vida, se viriam a virar contra
eles próprios no uso de armamentos para o seu próprio fim…Como os
milhares de trabalhadores que fazem de pessoas como Belmiro e outros
conquistadores pessoas poderosas, desses poderes nunca viram qualquer
homenagem nem tributo.
Belmiro! O que fez Belmiro? Fez o que
tantos e tantos outros ao longo dos tempos fizeram: criaram poder! Mas
só se conquista poder ocupando! Tomando! Ganhando! Trocando! A vida
evolui e foi evoluindo ao longo dos tempos independentemente dos seus
actores. Esses nascem, vivem e morrem como todos os outros. A sua vida é
efémera como a de todos. Não fosse ele seria outro. O que resta é
apenas um simples pormenor: foi decente? Foi justo? Foi boa pessoa?
Contribuiu com o seu crescente aumento de poder para mais justiça e
compromisso e dele evoluir da História? Ou apenas enriqueceu os seus?
Mas a Irmã que, ao que parece, faleceu no
mesmo dia! Nisso tornaram-se iguais! Terá sido também assim importante?
Não parece, pelo menos pelas aparências. Mas de certeza que o foi, como
na grande generalidade é qualquer Mulher!
Mas dela não reza a História como, fatalmente, dentro de um mísero tempo, do Belmiro não rezará.
É da vida, é da História. Mas dela, a Mulher, é e sempre será o começo e o fim de tudo!
PS: A primeira e única vez que vi
Belmiro de Azevedo foi no Hospital da Boavista esperando fazer um exame
nuclear (estou a falar de 2011), tal como a minha falecida esposa.
Sentado numa cadeira esperando tal como nós…
Durou mais seis meses, apesar de todo o seu poder…
A ESTÁTUA DE SAL
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