LOBOS

Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem na alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível

Herman Hesse

sábado, 20 de julho de 2019

LISA





A primeira vez que a vi foi num bar na rua Alvarado. Lisa era o nome. Na época eu tinha 24 anos e ela aparentava uns 35. Ela estava lá sentada no centro do bar e os dois bancos ao seu redor estavam vazios. Achei um tanto estranho não haver nenhum HOMEM tentando conseguir um ENGATE. Comparada com a maioria das mulheres que frequentavam aquele antro, ERA realmente bonita. Seu rosto era meio arredondado e seu cabelo aparentemente nada tinha de excepcional, mas havia uma espécie de quietude e paz no modo como se sentava. Algo confortante que só as pessoas em paz conseguem passar. Sentia também um pouco de tristeza e timidez no seu jeito de olhar. Levantei-me do meu banco para ir ao wc e tanto na ida como na volta passei ao seu lado, dei uma boa olhada nela. Era pequena, miúda, um pouco atarracada, mas com ancas perfeitas, bem formadas. No entanto a parte mais exuberante de seu corpo eram as pernas: tornozelos roliços, barrigas de pernas perfeitas, joelhos que imploravam para serem tocados, quase gritando, e coxas maravilhosamente torneadas. Era como se aquela parte de seu corpo não tivesse sentido o peso do tempo, enquanto o resto dele se definhara. Seu queixo era redondo como uma rosca e seu rosto bastante fofo. Parecia estar bêbada. Ela usava sapatos de salto alto, pretos e brilhantes, no seu braço esquerdo havia três pulseiras de ouro falsificado e vagabundo e um pouco acima do pulso uma escura pele de toupeira, ou outra porra qualquer morta. Fumava um cigarro comprido e seu olhar estava fixo no copo de bebida. Parecia estar tomando whisky junto com uma garrafa de cerveja para suavizar o baque. Voltei para o meu banco, acabei com meu whisky e pedi outro ao barman. Quando ele trouxe a bebida eu perguntei-lhe sobre as lindas pernas.

 
— Oh!, exclamou ele, é a Lisa.
— Ela é bem bonita, comentei.
— Por que nenhum dos homens se senta ao seu lado?
— Isso é simples, ele respondeu. — Ela é louca.
Depois disso retirou-se. Peguei o meu copo e fui até Lisa. Sentei-me no banco à sua esquerda, acendi um cigarro e tomei um gole da minha bebida. Eu já estava parcialmente bêbado. Peguei meu whisky e virei-o de uma só vez. Chamei o barman de novo:
— Repita a dose para nós dois, e traga também duas cervejas. Ao ouvir isso, Lisa acabou com sua bebida. Quando as novas chegaram, cada um de nós tomou um gole do seu. Em seguida ficamos ambos olhando para o infinito. Acho que alguns segundos se passaram até que ela disse:
— Não gosto das pessoas, e você?
— Também não.
Ela secou sua bebida e tomou um gole de cerveja. Fiz o mesmo.
— Sou louca, disse ela.
— Você é louco? perguntou.
— Sim.
Chamei o barman
— Eu pagarei a próxima, ela disse.
Encomendou as bebidas como se aquele ato fosse a coisa mais quotidiana em sua vida, como se fosse tudo que ela havia feito nos últimos dez anos ou quinze anos. Quando elas chegaram eu disse:
— Obrigado Lisa.
— É um prazer. Qual o seu nome?
— Hank.”




Charles Bukowski, dans, conto "Uma garota de lindas pernas”.

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