LOBOS

Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem na alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível

Herman Hesse

quinta-feira, 19 de março de 2015

Estes momentos de SUFOCO

O MEDO do RESPEITO


Ao José António Cardoso
FURA- PASTOS



Sobre o CINEMA PARAÍSO


GIUSEPPE TORNATORE
e o 
ESPELHO das nossas vidas


Existem dois filmes na cinematografia deste realizador, que ninguém deveria ficar indiferente. As gerações de quarenta-50 e 60 (...e a MINHA), as que na realidade viveram todas as cenas de...

CINEMA PARAÍSO
e
MALENA


RECORDO-ME como se fosse hoje,a noite em que me aconselharam o CINEMA PARAÍSO, decorria o ano de 1988 e a resposta que dei na altura andou à volta do meu pouco interesse sobre cinema EUROPEU, o Zé da ISABEL de Lisboa, acrescentou como forma de me convencer que me pagaria o BILHETE, se, eu não gostasse do filme.
Tornou-se um dos filmes da minha vida, assim como MALENA, do mesmo realizador que vi a passada semana .



É sobre estes dois filmes , que estruturo a minha reflexão do momento uma vez mais abordo as recordações de um TEMPO  a que este espaço dá sagrada importância, ninguém se consegue libertar do peso do passado.
Ainda hoje tenho uma pontinha de inveja  daqueles que"ESCREVEM" a VIDA  (exclusivamente)"no OLHAR" para a frente.
Claramente, os dois filmes retratam o tempo  dos nossos PAIS e AVÓS,(... um tempo que terminou no final da nossa adolescência) uma época cheia de dificuldades, de guerras , pouco dinheiro e acesso precário aos produtos. A inocência  marota dos gaiatos (...estes os nossos Pais e os seus filhos) escrevia uma longa história de gerações.
A pureza de uma sociedade , também esta dividida pela política, assim como hoje. A falta de tudo, numa comunidade que habitava todas as casas vindo para a rua em GRUPO, as ESCOLAS estavam cheias,  a PROFESSORA PRIMÁRIA, podia arrear uns estalos nos seus pupilos sem correr risco de vida. E aos estalos acrescentava também uns adjectivos que hoje dariam direito a expulsão pelo trauma provocado às inocentes criancinhas.

"Os professores tiravam as malditas, de um castanho avermelhado, da gaveta da secretária no princípio do dia e estendiam-nas ao seu lado, em cima do tampo, bem à vista de todos.
Eram os problemas mal resolvidos, os erros dos ditados, as falhas de memória, o azar de se ser criança em tempo cinzento que davam azo a tanta reguada. Havia tabela. Tantas por cada erro e tantas por cada conta mal feita. Tantas por isto e outras tantas ou ainda mais por aquilo. O bater fazia parte das regras, como agora faz parte não contrariar os miúdos e deixá-los ter o protagonismo todo.
Mesmo os pais, numa atitude de alguma inferioridade, subserviência ou temor reverencial face ao professor, não raro diziam ou mandavam o recado: chegue-lhe! As que caem no chão são as que se perdem! Desde que não lhe parta braço nem perna…chegue-lhe!..."


 Mas logo voltava o fadário dos ditados, das contas, das idas ao quadro e depois…das reguadas. Cinco numa mão. Cinco na outra. Quando anteviam a zurzidela, os miúdos iam à cerca do Virgílio Lagartinho à busca de cebola albarrã e untavam as mãos muito bem untadas. Havia a crença de que com tal fricção a carne não doía e se a mezinha fosse bem feita, até podiam fazer estalar a régua. Que se saiba não passou de crença.

http://patrimonio89.blogspot.pt/2009_11_01_archive.html 







O EROTISMO no crescimento para  se querer ser grande,  preenchia o imaginário da pré adolescência e nas épocas seguintes, no Cinema Paraíso seria cortado pela tesoura da censura ( ...a sineta do Padre) e que em MALENA , é transbordante nas "curvas" da ACTRIZ principal e na dedicação silenciosa que o adolescente lhe fazia à distância. Nós e eles aprendíamos a ESCOLA da VIDA, numa partilha de AFECTOS e  aprendizagens. A inocência foi vivida também nos GESTOS, nos olhares ... nas histórias muitas delas inventadas sobre as raparigas quase mulheres daquela altura. Os bocadinhos de pernas que se viam um pouco acima dos joelhos ou o grande prémio dos sortudos, seria ver um pouco da roupa interior, CUECAS OU UMA ALÇA DO SOUTIEN.


A preparação para a vida adulta e os "PECADOS" que não o eram, a experimentação e a troca de experiências, fizeram com que estas gerações ultrapassassem todos os obstáculos que se lhes depararam pela frente . 
Aos seus netos e aos  nossos resta-lhe um mundo sem fantasia nem engenho, estando tudo à distância de um CLIC  e à mão de semear.

Nós usufruímos do legado, material e moral. 
 E falhámos redondamente como PAIS.

Mas será que há CULPADOS?! DESTES NOVOS TEMPOS, onde o EGOÍSMO REINA e o viver(...mos) com o pensamento nos prazeres do momento é o lema da sociedade em geral.Terminou a família e a estrutura da passagem de testemunho como garantia da sobrevivência dos aglomerados populacionais.Hoje não se fazem mais filhos.
Os necessários...




Há uma imagem vibrante em cinema PARAÍSO, que hoje seria impensável acontecer na vida real, o que demonstra a tacanhez , o retrocesso e a solidão dos jovens da actualidade e das suas condutas sociais, evoluídos culturalmente e tecnicamente, mais que as gerações anteriores, mas com a banalização das experiências sexuais e a sua aprendizagem  pouco estruturada nas emoções. 


O SEXO na actualidade, tornou-se mais um dos "OBJECTOS" para comercialização e as redes sociais vieram acelerar ainda mais este descalabro.
Nenhum de nós vendo o CP, ficará indiferente à masturbação colectiva dos GAIATOS que na fila da frente vêem o filme. Recordo com saudade e oiço ainda hoje a voz do "BORREGA BRANCA" que no intervalo das 10.30 nos surpreendeu nesse acto inocente, como numa maratona tentávamos em grupo chegar em desafio à comichão prazeirenta ; debaixo da amoreira do canto na Escola Primária dos rapazes, surgiu detrás do muro o seu rosto sardento.

-O QUEEEÉ ISSSSTO AQUI!!!!!!!!  

Gritou. Nós gaiatos da terceira classe, (8 ou 9 anos), fugimos para todos os lados possíveis , alguns sem terem tempo de meter a GAITA na braguilha.


Os  AMORES primeiros-o meu PRIMEIRO AMOR.

CP reflecte como um espelho o longo caminho das nossas VIDAS.


Do paraíso ao INFERNO
E o MEDO NECESSÁRIO




É este TEMPO que recordo, e que me ORGULHO. São estas pessoas, vestidas ou despidas, os sorrisos, os choros e a escuridão cinzenta das comunidades , quando constato que partiu mais um dos que fizeram um FILME PARALELO as estes dois . Os  gestos e as pequenas histórias, foram idênticos em todos as vertentes. 
Uma única família como um dia escrevi sobre o BARROSO.
O Zé ANTÓNIO FURA-PASTOS, + 1 "DIFERENTE" que toma posse do largo grande em CINEMA PARAÍSO, lembro-me bem dele nos áureos tempos do seu reinado.
Apetece dizer que MORREU, em substituição do FALECEU.
As pessoas que nos ficam na RETINA, todas eles MORRERAM, fazem-nos doer, quando desaparecem.
Estes foi um dos últimos... Restam 2- o RÁDARES e o TRAMBOLAS... 
Não esquecendo o maravilhoso intelectual, solitário "ZÉMAIDÉIA" 

MORREU o FURA PASTOS
IRMÃO do OLIVÉRIO
DO CEGO, o Sr. Cardoso
E irmão também da Isabel da TIDURICA
Filho da TITURICA
FILHO do PLÁDO CARDOSO e electricista da companhia.

Um HOMEM da minha TERRA, do meu TEMPO 
Uma figura do LARGO grande, do restrito grupo dos "APÁTRIDAS" em paralelismo com o LOUCO "DONO" do LARGO no Cinema PARAÍSO.

E agora fiquem-se e fico-me  por aqui, para não me cair uma lágrima a descrever algumas cenas mais caricatas mas humanizadas realizadas pelo FURA-PASTOS.
Lamentavelmente soma sobre soma, não poderia ignorar a partida desta gente, uns abastados outros menos-São GENTE da minha TERRA...parte da minha VIDA.
Como a canção sofrida da Marisa.
Este SUFOCO e esta SOLIDÃO no HORIZONTE o vazio, nas minhas costas os FANTASMAS silenciosos ... o PASSADO sem regresso.

TEMPO de muitos MEDOS. O MEDO NECESSÁRIO, o do nosso TEMPO passado. 



A Bicicleta pela Lua Dentro - Mãe, Mãe

A bicicleta pela lua dentro - mãe, mãe -
ouvi dizer toda a neve.
As árvores crescem nos satélites.
Que hei-de fazer senão sonhar
ao contrário quando novembro empunha -
mãe, mãe - as tellhas dos seus frutos?
As nuvens, aviões, mercúrio.
Novembro - mãe - com as suas praças
descascadas.

A neve sobre os frutos - filho, filho.
Janeiro com outono sonha então.
Canta nesse espanto - meu filho - os satélites
sonham pela lua dentro na sua bicicleta.
Ouvi dizer novembro.
As praças estão resplendentes.
As grandes letras descascadas: é novo o alfabeto.
Aviões passam no teu nome -
minha mãe, minha máquina -
mercúrio (ouvi dizer) está cheio de neve.

Avança, memória, com a tua bicicleta.
Sonhando, as árvores crescem ao contrário.
Apresento-te novembro: avião
limpo como um alfabeto. E as praças
dão a sua neve descascada.
Mãe, mãe — como janeiro resplende
nos satélites. Filho — é a tua memória.

E as letras estão em ti, abertas
pela neve dentro. Como árvores, aviões
sonham ao contrário.
As estátuas, de polvos na cabeça,
florescem com mercúrio.
Mãe — é o teu enxofre do mês de novembro,
é a neve avançando na sua bicicleta.

O alfabeto, a lua.

Começo a lembrar-me: eu peguei na paisagem.
Era pesada, ao colo, cheia de neve.
la dizendo o teu nome de janeiro.
Enxofre — mãe — era o teu nome.
As letras cresciam em torno da terra,
as telhas vergavam ao peso
do que me lembro. Começo a lembrar-me:
era o atum negro do teu nome,
nos meus braços como neve de janeiro.

Novembro — meu filho — quando se atira a flecha,
e as praças se descascam,
e os satélites avançam,
e na lua floresce o enxofre. Pegaste na paisagem
(eu vi): era pesada.

O meu nome, o alfabeto, enchia-a de laranjas.
Laranjas de pedra - mãe. Resplendentes,
estátuas negras no teu nome,
no meu colo.

Era a neve que nunca mais acabava.

Começo a lembrar-me: a bicicleta
vergava ao peso desse grande atum negro.
A praça descascava-se.
E eis o teu nome resplendente com as letras
ao contrário, sonhando
dentro de mim sem nunca mais acabar.
Eu vi. Os aviões abriam-se quando a lua
batia pelo ar fora.
Falávamos baixo. Os teus braços estavam cheios
do meu nome negro, e nunca mais
acabava de nevar.

Era novembro.

Janeiro: começo a lembrar-me. O mercúrio
crescendo com toda a força em volta
da terra. Mãe - se morreste, porque fazes
tanta força com os pés contra o teu nome,
no meu colo?
Eu ia lembrar-me: os satélites todos
resplendentes na praça. Era a neve.
Era o tempo descascado
sonhando com tanto peso no meu colo. 











Ó mãe, atum negro —
ao contrário, ao contrário, com tanta força.

Era tudo uma máquina com as letras
lá dentro. E eu vinha cantando
com a minha paisagem negra pela neve.
E isso não acabava nunca mais pelo tempo
fora. Começo a lembrar-me.
Esqueci-te as barbatanas, teus olhos
de peixe, tua coluna
vertebral de peixe, tuas escamas. E vinha
cantando na neve que nunca mais
acabava.

O teu nome negro com tanta força —
minha mãe.
Os satélites e as praças. E novembro
avançando em janeiro com seus frutos
destelhados ao colo. As
estátuas, e eu sonhando, sonhando.
Ao contrário tão morta — minha mãe —
com tanta força, e nunca

— mãe — nunca mais acabava pelo tempo fora.


Herberto Helder, in 'Poemas Completos'


Fico-me por mais esta homenagem à minha necessidade de continuação...

 

Vejam estes dois filmes e saberão do que falo... 


CP 


 Um filme de rara e tocante sensibilidade
Salvatore Di Vitta, um bem sucedido cineasta italiano, recebe um telefonema da sua mãe na Sicília, onde nasceu e cresceu, que lhe dá a conhecer a morte de Alfredo. Salvatore regressa à Sicília, após muitos anos de ausência, e recorda os seus tempos de infância e adolescência na aldeia de Giancaldo e a sua longa e inesquecível amizade com Alfredo, o projeccionista do cinema local. Totó, como era então conhecido Salvatore e cujo pai tinha desaparecido durante a Segunda Guerra Mundial, sempre que podia fugir dos seus deveres como ajudante na missa refugiava-se no "Cinema Paraíso". Alfredo, o projeccionista ...
 permitia que Totó visse todos os filmes e em certa medida preenchia o lugar do seu pai. Totó cresceu na magia do cinema e fascinado por essa personalidade fabulosa que era Alfredo, determinante na sua opção de vida pelo cinema e que agora regressa para o enterrar e receber o seu último legado.
"Cinema Paraíso" de Giuseppe Tornatore foi um dos maiores triunfos do cinema italiano, tendo conquistado em Cannes o Prémio Especial do Juri e o Oscar da Academia de Hollywood para o Melhor Filme de Língua Estrangeira. Filme nostálgico e evocativo, que gira em torno das memórias de um cineasta que recorda a sua infância e adolescência numa aldeia da Sicília e a sua prodigiosa amizade com o projeccionista do cinema local que marcou toda a sua vida, "Cinema Paraíso" é, simultaneamente, uma inspirada, sincera e emotiva homenagem ao próprio cinema onde, através dos filmes, se observa a evolução do Mundo e da pequena comunidade dividida entre a igreja e o cinema.
Uma notável realização de Tornatore, magistralmente servida pelas inesquecíveis interpretações de Philippe Noiret e do pequeno Salvatore Cascio, num filme de rara e tocante sensibilidade que alia habilmente o humor e a nostalgia no mais fabuloso exercícios de pura paixão cinéfila.

  • Título Original: NUOVO CINEMA PARADISO
  • Com: Philippe Noiret, Salvatore Cascio
  • Realização: Giuseppe Tornatore
  • Produção: Franco Cristaldi, Giovanna Romagnoli
  • Autoria: Giuseppe Tornatore
  • Música: Ennio Morricone
  • Ano: 1988
  • Duração: 122(cor) minutos
 MALENA

BREVE RESUMO

O filme se passa numa pequena cidade da Sicília no ano de 1941, onde boatos correm soltos, na qual meninos de 13 anos tem uma admiração enorme por Malena, em especial o garoto Renato,que a segue por onde quer que ela vá, espionando seus passos, alimentando um amor platónico chegando a ter alucinações e problemas em casa por conta desse amor.
Malena é casada com um soldado local,que está dito como morto pela guerra, e por ter perdido seu pai em uma tragédia, fica desamparada sem condições básicas de sobrevivência, chegando a vender seu corpo para homens de poder aquisitivo.Tendo a não aceitação das mulheres da cidade, Malena é fruto de mãos tratos em praça pública, levando-a a deixar a cidade.
Anos depois, surge seu marido que na verdade tinha apenas perdido um braçona guerra e não perdido a vida. Ninguém da cidade teve coragem suficiente para contar ao soldado sobre o paradeiro de Malena, por conta de sua vida leviana. Renato por sua vez o deu uma carta contando que Malena havia pegado um trem para outra cidade, o que na mesma hora fez com que o soldado fosse em busca de sua esposa.
Anos se passaram e os dois voltam à pequena cidade, Malena agora bem vestida, com roupas bastante cobertas, se comporta como uma mulher comum da cidade, buscando aceitação da população, principalmente das mulheres, aceitação essa que acontece no final do filme, no momento em que ela sai de casa para ir á feira e as mulheres a cumprimentam.
Renato em inúmeras tentativas mal sucedidas de contacto com Malena, novamente observando-a, sai em sua direcção para ajudar a catar as frutas que caíram de sua cesta na ida para casa, e a deseja boa sorte.




 


AVALIAÇÃO DO FILME

No filme nota-se principalmente o fanatismo de Renato por Malena, por conta de suas inúmeras perseguições e alucinações.
Vários pequenos momentos são revelados no filme que mostram a vontade de Renato de ser mais velho, como:
• A compra de uma bicicleta para fazer parte da turma dos garotos mais...


                               

 Uma palavra carregada de simbolismo, sobre outra Senhora que partiu, conhecia-a de vista, de pouco convívio-a familiar da Carmita-GEMERALDINA Rosa Borbinha-Morava nos montes, ali do lado direito...

quarta-feira, 11 de março de 2015

Gente



"A desobediência civil não é o nosso problema. O nosso problema é a
obediência civil. O nosso problema é que pessoas por todo o mundo têm
obedecido às ordens de líderes e milhões têm morrido por causa dessa
obediência. O nosso problema é que as pessoas são obedientes por todo
o mundo face à pobreza, fome, estupidez, guerra e crueldade. O nosso
problema é que as pessoas são obedientes enquanto as cadeias se enchem
de pequenos ladrões e os grandes ladrões governam o país.
É esse o nosso problema."

Howard Zinn

Esta Gente








(Fotos Lee J) 


                                    


GENTE


Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome


E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "Geografia"