LOBOS

Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem na alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível

Herman Hesse

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

MARTA-é como um SONHO


COMO CRESCEU e se FEZ GENTE
A FILHA do CABAÇO

Marta Cabaço








 O que sabe ela dos trabalhadores do CAMPO?!!!DE UM TEMPO ALENTEJO CINZENTO e ÁSPERO.
Os GENES sabem, os seus e a HERANÇA do MADEIRINHO, o GRANDE PROPRIETÁRIO seu AVÔ e a saudosa dona CABACINHA.
Ainda se contam histórias de peles gretadas e olhares conformados, desta vez por uma jovem que nunca conheceu aquela quadra habitada por seis machos ou mulas e a mesa grande -ao almoço basto de GRÃO COM CARNES COZIDAS E O SUOR A IMPREGNAR O AR DA COZINHA ANEXA AO GRANDE PALÁCIO DO GRANDE SENHOR SEU AVÔ.
SÃO OS GENES MEU SENHOR, SÃO OS GENES QUE ME CORREM NAS VEIAS DA FICÇÃO.

http://coraoquesenteacordaterra.blogspot.pt/2009/11/paisagens-humanas-arcos.html 


“Já me esforcei - a palavra é esta - para escrever coisas para a cidade e não consigo.” Diz Marta Mateus, primeiro atriz mas sempre a querer ser realizadora e que é, por fim, para descobrir que não haveria outro lugar para os seus filmes. Para este e para os que vierem. “Vou sempre dar ao campo. Foi a partir daí que trabalhei neste filme e é nisso que me interessa continuar a trabalhar, pelo menos por agora.” Ao campo, ao Alentejo, numa história sem princípio e sem fim, pelo presente e o passado numa correria de crianças que foi descobrir em Estremoz, onde nasceu e cresceu e aonde regressa sempre, como regressou para filmar no inferno que é um verão quente no Alentejo “Farpões Baldios”, o filme que depois de anos a estudar Fotografia, Desenho, Filosofia, Teatro, tudo o que viesse um dia servir esse “exercício do olhar” que é fazer Cinema, marca a sua estreia na realização, depois de mais de uma dúzia de filmes em que foi atriz. Filme que terminou para estrear em Cannes, na Quinzena dos Realizadores, em maio, para logo dois meses depois sair das Curtas Vila do Conde como vencedor do grande prémio internacional.  
E se a viagem de “Farpões Baldios” há de continuar, importa agora saber que está por cá para ver em sala (em Lisboa, no Cinema Ideal, e em Gaia, no UCI Arrábida), em conjunto com “Cidade Pequena”, de Diogo Costa Amarante, e “Coelho Mau”, de Carlos Conceição, na sessão “3 Novas Curtas Portuguesas”, num gesto de tornar mais acessível ao público um formato que raramente chega ao circuito comercial mas de onde tem vindo boa parte do reconhecimento internacional do cinema português nos últimos anos.  


De volta ao Alentejo e a este filme que não tinha como não ser português - “é português, sim, português porque é feito com portugueses reais que não querem ser nem franceses nem outra coisa” - mas em que Marta Mateus vê mais do que isso, vê o Cinema inteiro, de Jean-Marie Straub a Orson Welles, Godard ou Chantal Akerman, a quem dedica o filme, ou até bem lá atrás, ao encontro de Eisenstein, de Buñuel ou Chaplin.  
“No Cinema não estamos a criar nada de novo. A linguagem existe, portanto o que estamos a fazer é o que qualquer realizador faz. Quando está a experimentar fazer um filmem, inconscientemente tem essa gramática toda do que viu, que aprendeu, que apreendeu. Mas eu já via assim quando era criança e lembro-me perfeitamente que percebi que queria ser realizadora quando vi uns filmes e vi que aquilo que vivia na altura - o estar no campo e a maneira como recebia aquela paisagem - tinha a ver com essa imaginação.”
Imaginação, toda a que vem com as memórias, das vividas às construídas a partir de uma maior, da coletiva, das lendas e das histórias verdadeiras que são as da fome e as da Reforma Agrária, do que estava antes e o que veio depois, por esse universo se abre “Farpões Baldios”. “O que me interessava sobretudo era a relação que as pessoas têm com aquela paisagem. Os trabalhadores rurais, porque trabalham na paisagem, trabalham com a Natureza e estão absolutamente ligados a ela como uma força maior. E interessava-me levar as crianças para o campo numa experiência de liberdade, no Cinema, claro, mas de liberdade e de descoberta da Natureza.”  
Hão de ser essas crianças, a que a realizadora chegou através de um casting feito em Estremoz para este filme que é de ficção mas em que não há atores, filmado com trabalhadores, com gente daquele lugar - “há realizadores que procuram exatamente o trabalho com atores e que gostam de trabalhar com atores, muitos deles admiravelmente, mas a mim interessa-me outra coisa” -  a guiar-nos pelo que não é uma história, mas memórias: as que Marta Mateus tinha da sua infância, do tempo que passou no Alentejo até aos 15 anos se ter mudado para Lisboa, para continuar a estudar. “Agora percebo que [o filme] funciona um bocadinho como a minha memória, como a forma como me lembro daquele lugar, e por isso o filme também segue um bocadinho essa estrutura, essa narrativa.”


Como um sonho, já dizia Jacques Rivette, que Marta Mateus traz para a conversa: “O Jacques Rivette dizia que todos os filmes são como um sonho e isso explica muito bem como o Cinema também não tem que ser o ‘Homem Aranha’. A narrativa é muito importante, não estou a dizer que fuja disso, mas tenho muita dificuldade em explicar tudo.” Explicar tudo não será preciso, diz, sobretudo quando se tem a preocupação de não impor uma retórica. “Quis fugir dessa imposição de mostrar o caminho.”
O resto será apenas a decisão de aceitar partir por este caminho com estas crianças que “ao longo do percurso que vão fazendo encontram estas pessoas que não se percebe bem se são do passado ou do presente”, que “vão descobrindo uma história que faz parte daquela paisagem e que está naquela paisagem”. E isto vai-nos contando Marta Mateus num filme que - voltamos às memórias - se abre da mesma maneira que um álbum.
“Não há grandes movimentos de câmara neste filme, mas eu não mexo muito a câmara também porque não sei mexer”, sorri Marta Mateus, a lembrar-nos como tudo começou pela Fotografia. “Agora gostava de começar a obrigar-me a experimentar, mas aqui tinha tantas coisas com que me preocupar que de facto o melhor era ver aquilo assim.” O movimento, o que houver a acontecer, acontece em cada plano, e Marta Mateus encontra outra liberdade aí. “Se por um lado isto pode ser apontado como uma rigidez do meu olhar, também aquilo que parece uma fluência de linguagem com a câmara estar a mexer muitas vezes condiciona e cria uma retórica da qual eu quis fugir.” 
Cláudia sobral-SAPO 

......eu sei quase tudo do que ela não SABE. Estive lá sempre.


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