LOBOS

Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem na alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível

Herman Hesse

sábado, 12 de fevereiro de 2022

SOMBRAS PESADELOS e FUTURO

 

CARTA para um COMPANHEIRO

 


SOB a sombra de uma foto de Ripening, falo contigo QD, o diálogo poderá ser dirigido a muitos que se foram e hoje caminham  inclinados pelas ruas da cidade.  É sobre uma pessoa em concreto e a imagem que tenho dela (de ti) que escrevo. Essa personagem, a qual conheço há perto de 3 décadas é também o rosto do JP, HR, L, A, L, E,,e muitos/as mais que connosco ombrearam. Outras pessoas, docentes, alunos e funcionários .  

O conhecimento e  a soma dos contactos em comum, despertaram-me para a libertação de imagens armazenadas.

Evoco TORGA e uma das suas sábias reflexões> ...Sem darmos por tal, nem em dia definido...entramos num tempo em que ninguém dá por nós-transformamos-nos em SOMBRAS aos olhos dos outros.


Torga responde-te com SABEDORIA e fala-nos ao ouvido sobre o último dia do AMANHÃ. Soa a COMPLEXIDADE. 

O que dizer da SIMPLICIDADE ( A FALA do ÍNDIO,de Teri C. McLuhan-Este livro está sempre perto de mim)

Resumo

Os autóctones das Américas referem-se sempre com veneração à terra, aos animais e aos objectos que constituem o território onde habitam. Quase todos consideram a propriedade privada como o caminho que conduz à pobreza, e não à riqueza. É hoje manifesto que o único futuro decente para todos quantos habitamos este planeta reside na redescoberta do nosso meio ambiente. Impõe-se estabelecermos uma relação legítima com a terra e os seus recursos; de outro modo, ao genocídio do índio seguir-se-á a destruição da natureza - e a esta a nossa própria destruição.

 

CROWFOOT. 1821+1890. GRANDE GUERREIRO, CAÇADOR E BRILHANTE ORADOR, viveu num território sagrado para os BLACKFEET, hoje província de Alberta no Canadá.

Falou uma  ultima vez da VIDA:

O que é a VIDA? É o brilho do pirilampo na noite. É o sopro dum bisonte no Inverno. É a sombra  que corre na erva e se perde ao fim do  dia.

 

Já me referi dezenas de vezes a esta simplicidade nas vivências,  e evoco-a sempre que necessário. Desta vez é novamente necessário. Olho-te no teu caminhar solitário na entrada e na saída. Ouvi recentemente os teus desabafos (os quais são reais, cruelmente reais). O pensamento enche-se ainda mais de vultos, nomes e rostos que marcaram o meu percurso. Trinta anos passaram depressa , 3  décadas  em que centenas de almas ombrearam juntas no gastar dos dias. Silhuetas , sons  que se vão apagando da memória. Há uns que ficaram um pouco mais, talvez rotulados por uma palavra , um gesto descabido ou de simpatia. Todos os que naquela sala de Prof´s foram pessoas, sorrisos e histórias contadas, a grande multidão desapareceu daquele espaço improvisado onde na sua génese existiram os cabides (bengaleiro dos alunos, das chapinhas numeradas) , os armazéns dos casacos, guarda -chuvas dos que iam chegando das terrinhas no tempo sonhado do Estado Novo onde cada mm de ESCOLA  foi pensado pela eficácia e qualidade nos detalhes> DAS PESSOAS, dos FUNCIONÁRIOS >e DO EQUIPAMENTO, o último balcão em madeira de carvalho ou mogno com prateleiras fundas do referido espaço,  partiu no VERÃO passado  para a casa de alguém, de algum benfeitor do sistema democrático e progressista. Ou para a lixeira da cidade. Esteve (reaproveitado) até à chegada do absolutismo insensível e retrógrado, na sala de oficina de cerâmica (esta também se esfumou, porque sim. Porque se fazia lá obra). 

Com o passar dos anos, tudo e todos nós seremos  desviados, substituídos ou "roubados", pelas circunstâncias umas vezes , outras pela incompetência de quem nos dirige mansamente ou com gritos de histeria. O mais perigoso é quando a massa humana deixa de ter voto na matéria,se acomoda, toma partido ou  desiste de vez. 

Pessoas(!),,, restamos poucos da multidão humana dos anos 90 do século passado. Equipamento sólido e insubstituível, conheço-o de ginjeira, boa madeira para durar para sempre, foi substituída pelo plástico,alumínio,  a fórmica ... o descartável.  Quando oiço as tuas palavras ( ...e agradecido por em mim confiares ) evito despejar  os meus dramas que há muito e por antecipação "choro" o que está prestes a acontecer. Eu ao contrário de ti não me quero ir embora. "Desiludido ?" (desiludido não!Conheço muito bem o que os homens são capazes- enfrento-os sempre sem temor, quando toca a destruição sem sentido) mas consciente e teimoso em servir-me da porcaria e transformá-la em ARTE e COMUNICAÇÃO.-

 


sou uma pega rabuda que gosta de roubar pedaços de espelho para se deliciar com os gestos e se olhar depois da "obra" 


terminada.

Fico-me com as forças redobradas para enfrentar os monstros que foram e são os que Quixote desenhou como diabólicos para  se perder até à ultima gota do SUOR da VIDA. Queria ficar aqui para sempre pois é o único lugar onde existe futuro. Desesperado eu (por estar à beira do precipício). TRISTE TU, pela parte final  destes 47 anos de progresso e liberdade, e a mim . Revoltado com o mundo que temos,que pactuámos na construção,  por este motivo aquela instalação nas bordas da qual desabafaste duas vezes. Somos sombras, os novos instalam-se, estamos em SALDO- POR MOTIVO de MUDANÇA de RAMO.

A VIDA ENTRA em MODO AUTOMÁTICO e acelera vertiginosamente.

Não frequento o meio há quase duas décadas, não sei nada das notícias importantes- nos corredores deste paraíso, replecto de inocência e cores garridas, vão umas, e vêm outras gerações. Observo também na sua labuta , sem muito brilho jovens e menos jovens professores. Ou serão funcionários auxiliares(??). O nosso tempo desapareceu, questiono por mensagem quem está a par das notícias:

- O que me sabes dizer da MARILÚ? e da Mónica .. e do Carlos TV?'  e o João o gajo do 2 cavalos?

 

- Uns reformaram-se outros estão de atestado médico (baixa), esta é a resposta ao meu apelo coberto de estupefação e solidão pois claro.

 

O Zé está de partida, «-posso ir já no dia 18 se quiser, ficarei com saudades do Zé e da sua boa disposição- Já não tem alunos que o queiram ouvir.A MJ, vai fazer 70 e deixa-nos antes do final do ano, irá zangada. A Luísa... partiu e ninguém deu por ela (foi amargurada e não se despediu), depois de 42 anos de Amato.

A Ca...esconde-se frustrada pelos cantos, revoltada.

(OIÇO E TENTO EMPURRAR TODOS ESTES DRAMAS PARA LONGE, opino,,,MAS SÃO OUVIDOS DE PEDRA QUE NÃO ESCUTAM-está instalado um MASOQUISMO QUE SE GENERALIZOU A TODA A SOCIEDADE)

Faço contas à vida, penso em ti , enquanto raspo as FAVEIRAS, evoco a tua silhueta à chegada. Escrevo-te com a esperança que não te percas em águas turvas. O  dia começa como todos , semanas, meses e anos, são quase todos iguais, nos gestos e nas leituras. Estas reais , no papel e nos horizontes que  a luz do sol transporta ao amanhecer. É NECESSÁRIO CANSAR O CORPO E OCUPAR A MENTE, COM COISAS,VIVÊ-LAS ou  RECICLÁ-LAS.Parar nunca...

É urgente, não fugir, persistir e SOBREVIVER. Há uma que está sempre certa> EXISTIRÁ UM DIA EM QUE SOMOS OLHADOS COMO SOMBRAS. Esse dia já chegou, depende de nós dar-mos vida a essas silhuetas, repletas de memórias e SABEDORIA. 

Que não nos deixemos pisar pelas circunstâncias da vida e da profissão. Ainda é e será sempre enquanto existirem- o lugar onde se semeiam os sonhos e onde poderemos ser TUDO,,, e úteis - o FUTURO no corpo e na mente dos ALUNOS, esses semeadores  da existência de um  amanhã.

Termino como comecei com TORGA:

 

Recomeça... se puderes, sem angústia e sem pressa e os passos que deres, nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade, enquanto não alcances não descanses, de nenhum fruto queiras só metade.

Miguel Torga

 



Abraço GRANDE A(!) RESISTE!!

Sem comentários:

Enviar um comentário