LOBOS

Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem na alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível

Herman Hesse

sexta-feira, 25 de junho de 2010

No REINADO de DONA XÊTA-1888/1974

Histórias do MEU QUINTAL
1888/1974
" A VELHA XÊTA"


 ...to BE or not to BE...


 

 

Introdução
...no seguimento (da viagem...) das pesquisas efectuadas, sobre, o passado recente da nossa terra. Recomeço, de uma forma mais individualizada e tentando ir ao encontro de uma época anterior ao nosso nascimento...o assunto que me trouxe aqui é uma mistura de tempos VIDAS-PESSOAS e PAIXÕES desmedidas. PESSOAS que lutaram com um sorriso no ROSTO...o tempo da miséria!
Quem era a "VELHA-XÊTA?! Poucos se recordarão neste momento. Quando juntarem e soletrarem as letras nos lábios não saberão de imediato a resposta a esta questão, tenho a certeza que se fará luz um pouco mais à frente.
O Largo do ROSSIO era nos anos40, 50, 60 e 70 o PALCO-MAIOR das gerações desse tempo, é, no Rossio que tudo se vai passar, neste FILME ilustrado por letras, fotos e recordações de um tempo já distante.
Vou tentar resistir à FRAGMENTAÇÃO do artigo que agora inicio. Sendo certo, que é tarefa impossível.
Será importante deixar claro definitivamente, que não sou nenhum escritor nem tenho pretensões a isso.
Sinto-me, TALVEZ...um FIEL de ARMAZÉM. O sentido de responsabilidade, obriga-me a catalogar e organizar todos estes factos que me povoam a "ALMA", desta vez ajudado em muito por outra personagem que entrou recentemente em cena.

Sobre o Caminho
Nada

nem o branco fogo do trigo
nem as agulhas cravadas na pupila dos pássaros
te dirão a palavra

Não interrogues não perguntes
entre a razão e a turbulência da neve
não há diferença

Não colecciones dejectos o teu destino és tu

Despe-te
não há outro caminho

Eugénio de Andrade, in "Véspera da Água"
 A memória e o Espólio de Fátima Borralho. Sinto-me honrado por tal "COMPANHIA", pois foi esse desafio que atirei para o AR quando, do início desta aventura literária.


O Largo 



Era o centro da Vila. Os viajantes apeavam-se da diligência e contavam novidades. Era através do Largo que o povo comunicava com o mundo. Também, há falta de notícias, era aí que se inventava alguma coisa que se parecesse com a verdade. O tempo passava, e essa qualquer coisa inventada vinha a ser a verdade. Nada a destruía: tinha vindo do Largo. Assim, o Largo era o centro do mundo.

Quem lá dominasse, dominava toda a Vila. Os mais inteligentes e sabedores desciam ao Largo e daí instruíam a Vila. Os valentes erguiam-se no meio do Largo e desafiavam a Vila, dobravam-na à sua vontade. Os bêbados riam-se da Vila, cambaleando, estavam-se nas tintas para todo o mundo, quem quisesse que se ralasse, queriam lá saber- cambaleavam e caíam de borco. Caíam ansiados de tristeza no pó branco do Largo. Era o lugar onde os homens se sentiam grandes em tudo o que a vida dava, quer fosse a valentia,  a inteligência, ou a tristeza.


Os senhores da Vila desciam ao Largo e falavam de igual para igual com os mestres alvanéis, os mestres-ferreiros. E até com os donos do comércio, com os camponeses, com os empregados da Câmara. Até, de igual para igual, com os malteses, os misteriosos e arrogantes vagabundos. Era aí o lugar dos homens, sem distinção de classes. Desses homens antigos que nunca se descobriam diante de ninguém e apenas tiravam o chapéu para deitar-se.


Também era lá a melhor escola das crianças. Aí aprendiam as artes ouvindo os mestres artífices, olhando os seus gestos graves. Ou aprendiam a ser valentes, ou bêbados, ou vagabundos. Aprendiam qualquer coisa e tudo era vida. O Largo estava cheio de vida, de valentias, de tragédias. Estava cheio de grandes rasgos de inteligência. E era certo que a criança que aprendesse tudo isto vinha a ser poeta e entristecia por não ficar sempre criança a aprender a vida- a grande e misteriosa vida do Largo.


A casa era para as mulheres.


Manuel da Fonseca











( A velha Xêta)
 ;Ludovina da Encarnação Morgado
Nasceu a 26 de Novembro de 1888 e faleceu em 18 de Julho de 1974.
...esta é a única foto existente desta SENHORA, com uma menina ao colo que é a Fátima, em frente está o Zé Piléca e um outro desconhecido, que arrisco em dizer, ser um dos PEXÓCAS.

Quem VIU e QUEM OUVIU...A VOZ da RAZÃO
Episódios poéticos no Mundo da SENHORA Ludovina.


O forno e a casa do forno era um local para mim com alguma magia. Ia com frequência a pedido da minha avó lá dentro do forno à procura de ovos. As galinhas achavam que era o sítio ideal para a postura e só eu cabia na boca do forno. Para além dos ovos o forno estava cheio de papelões que serviam para cobrir o chão quando se faziam as caianças e dos basculhos do Gatorro para varrer o terreiro. Numa tarde de verão resolvemos limpar aquele espaço. Havia lixo por todos os lado e entra nesse momento um velhote com um saco às costa que olha para aquele aparato e comenta "Ó coitadas elas também andam aos trapos!" e sai portão fora.
Nasceu a 26 de Novembro de 1888 e faleceu em 18 de Julho de 1974.

Gostava muito de flores! Os alegretes no quintal estavam sempre floridos. O Antónho Vcente todos os anos lhe dava um frasco de mel, segundo ele, ela contribuía para a alimentação das abelhinhas. A primeira e única vez que ela me quis bater foi à conta de um vaso de flores que eu achei por bem oferecer à professora Ângela, julgo que da 4ª.classe! Eram ciclames, muito raros naquela época! Correu atrás de mim, mas coitada não me apanhou! E passado um bocado já tudo estava calmo.
Esta sou eu que te peço para colocares. É a única que tenho da minha avó Ludovina, recusou-se sempre a tirar fotografias. E ela embora com um feitio irascível, julgo que só se sentia viva quando fazia alguma coisa pelos mais necessitados. Temos o exemplo do Gatorro, para além de lhe dar abrigo, lavava-lhe a roupa, dava-lhe comida e também se zangava com ele. Uma das maneiras que ele tinha de fazer dinheiro era ir à serra buscar basculhos. Quando vinha dava alguns à minha avó, que ela guardava dentro do forno. O Gatorro quando precisava de um copito de aguardente ia-os buscar. Quando ela dava por falta deles havia briga no quintal - a resposta dele era sempre a mesma "O Gatorro é mau, o Gatorro não presta, mas ainda vão sentir a falta dele!" E é verdade recordo-o com muito carinho! As últimas palavras foram para mim "ai Bia, Bia" Foi numa manhã de Sábado ele não abria a porta e nós estranhamos. Abrimo-la e estava deitado, muito débil e quase sem falar. O meu pai levou-o para o Hospital e passados 3 dias faleceu. Foi a enterrar em Estremoz.  O funeral foi pago pelo meu pai e teve-nos aos dois como companhia até ao cemitério.



O Canudo para mim era um boémio, revoltado com o mundo e com uma ideologia naquela época proibida. Pertencia a uma família que deviam estar referenciados como comunistas e por isso com dificuldade em sobreviver.  Espero não estar a inventar!

Enquanto que o Gatorro era um pobre homem com um grau de inteligência inferior ao normal, o Canudo era um homem considerado normal. 



O Canudo veio substituir o Gatorro mas este ora estava, ora não estava. Andava sempre às bulhas com a minha avó. Para não falar nos tendeiros que por lá passaram, dos louceiros do Redondo, do velho do saco, e anterior a isto tudo do menino espanhol que durante a guerra fugiu para Portugal e se abrigou no meu forno, para que a guarda não o levasse.



Os médicos que passaram pela freguesia. Por uma razão ou por outra fazem parte das nossas vivências. Para mim são obvias porque lidei com eles de muito perto. Todos eles viveram sempre ou parte da sua estadia nos Arcos , em casa da minha tia Bernardina, mãe do Zé Maideia. Foram o Dr.Crujo que saíu de lá para casar com uma prima nossa., a seguir o Dr.Canelas que levou com ele uma excursão quando resolveu regressar à sua terra - Cabeção - Tenho fotografias que te vou enviar para a semana. Estão em molduras na casa da minha mãe - o Dr.Carvalho que casou com outra prima nossa, irmã da que casou com o Dr.Crujo. Este morreu em Angola num acidente de aviação quando o obrigaram a cumprir o Serviço militar, o Dr. Guitana de quem tu já falas e nas férias deste o Dr.Afrânio que por ser um dos últimos e ser muito jovem me marcou mais. Gostava muito de brincar comigo à Sardinha e eu por fim já não achava grande piada porque me deixava as mãos a arder!
não me é estranho esse nome. Vou perguntar à minha mãe e ela quando não sabe pergunta no café ao pessoal com quem fala.



O Dr.Canelas parece-me ter sido para a população um  João Semana ressalvando o facto de ser uma pessoa nova, com filhos mais pequenos que eu, que teria na altura uns 5 anos. É-me difícil saber o que os outros pensavam deles. Para mim ou para a família eles estavam sempre disponíveis.
O facto de morrerem tantas crianças tem a ver com muitos factores um dos quais o preço dos medicamentos. Bastava teres uma infecção e não teres dinheiro para um antibiótico para morreres. A consulta era gratuita e os medicamentos quem os pagava? Não havia Segurança Social e também havia muita ignorância, só se ia ao médico em último caso.

Nas Paisagens Humanas parte 2 falas na Laura que trabalha na Rosada.

Lembrei-me que ela estava imortalizada assim como outras pessoas dos Arcos tais como a Ricardina que é mãe da Maria dos Anjos e casada com o Zé do Caga, num livro de cozinha que já me acompanha há muitos anos. A autora era filha do João Cortes e da D.Catarina donos da Rosada. Acho que devemoss homenageá-la. Ela poderia perfeitamente ter omitido o nome dos empregados e não o fez. Merece ser recordada.



Quanto ao Gemiano só se lembram do trivial. Tinha muitos filhos, vivia muito pobre e como se não bastasse era bêbado. A morte foi provocada por uma queda do pontão atrás da adega do António do Paixão.
O Louceiro do Redondo que ficava lá no quintal faz-me recordar uma descrição que o Vitorino faz numa canção. Gostaria até de saber se seria a mesma pessoa.
A minha mãe recorda-o muito bem. Diz que ele aparecia com regularidade com dois burros, Os alforges serviam para trazer a loiça e o filho pequeno que o acompanhava quase sempre. A cabana servia-lhe de abrigo porque passavam alguns dias a fazer a voltas aldeias e montes ao redor. Raro era o dia em que a minha mãe ou a minha avó não lhe fazia uma sopa tomate ou açorda, conforme a época do ano. Em troca dava-me panelinhas,  alguidares e tigelas de fogo.
Lembrei-me de uma muito engraçada do Minga do Xtradinha. Sentado no poial da fonte das bicas, com as calças arregaçadas, com um pé já lavado e outro muito sujo e ele a comentar  como que embevecido pelo trabalho feito "Este ao pé deste!" 

Fátima Borralho






 O largo do Rossio era o nosso Mundo! um mundo feito de uma amálgama de sensações...

Olhávamos as estrelas nas quentes noites de Verão e nas quase eternas noites de Inverno quando as nuvens nos deixavam em paz por breves momentos. O rossio lugar de encantos e AFECTOS.



 O ROSSIO de MURO circundado...de MURO Derrubado por alguma "MENTE-LUMINOSA"..Pedras, inertes que adormecem pela eternidade nos alicerces da casa do meu Tio Ventura e em outras que lhe seguiram. Muro esse com muitas histórias para contar, antes mesmo de ter nascido com a função de decorar o largo típico das aldeias do Alentejo. Quando o largo era povoado por pedras, buracos e montes de lenha.Onde as noites eram escuras e as histórias eram contadas à luz dos candeeiros a petróleo (...uma modernice), digo:Candeias de AZEITE. Algumas dessas histórias que o muro não levou , serão desvendadas no "MEU QUINTAL". ASSIM SEJA!


LUGAR-PONTO de ENCONTRO de todas as partidas e de todas as chegadas. Os passeios e as caminhadas tinham início aqui, as festas, os SALTOS nas Fogueiras e os gritos das mães a chamarem pelos filhos. As Gerações no final da vida, sentavam o cansaço (...e sentam!) nos últimos acordes no que resta do MURO. Recordam privações e sonhos destruídos, somam um dia sobre o outro numa curta conta de subtracção.Assim foi, assim é e assim será enquanto houver tempos e existir o LUGAR.
Foi  por aqui que os Vagabundos, contrabandistas, saltimbancos e os rejeitados pela sociedade se aproximavam de olhar triste dos demais habitantes.A Guarda a cavalo, os Ciganos. os louceiros do Redondo com uma fila de burros de alforges carregados de loiça com Zarcão e chumbo... os forasteiros...todos eles procuravam o ROSSIO para perguntarem, tirarem qualquer dúvida ou simplesmente descansar.
Por aqui, geralmente no fim da tarde e pela noite dentro, se, aglomeravam os BANDOS de rapazes novos-os GRANDES- contando as suas façanhas, aventuras e desventuras, sempre com um aglomerado de GAIATOS por perto, não muito, porque para tal não havia permissão.
No largo chegavam e partiam diariamente as camionetas dos BELOS- TRANSPORTADORA SETUBALENSE de JOÃO CÂNDIDO BELO e COMPANHIA LIMITADA





Contavam-se os minutos para a chegada da "caminéta da CARRERA"..como o povo dizia.Meio dia e meio e cinco e meia se na "viéssem atrasadas...".
Com a chegada da "Cáminéti ", chegavam os SONHOS, os DESEJOS, as MODAS e todas as novidades vindas da capital ou da GRANDE VILA de Estremoz.
Tornou-se um RITUAL e permaneceu vivo até aos princípios dos anos setenta.
O LARGO-ENCANTADO, tinha mais encanto pelo Natal, tinha um odor especial vindo das casa particulares e do calor humano que os grupos de homens emanavam das tabernas do largo.As do SABINO, António"



V`ecêti", do Chicozéguinho e do Silvério. Da loja do "Fudrico" e do Café Amaro o dos frangos assados. Os odores permaneciam no ar misturados com os fumos das lareiras-cheiros de lenha de azinho e oliveira. Por muitos dias sentíamos que era um tempo de paz, harmonia e festa de família. O largo estava mais dinâmico nestes dias ao fim da tarde do que no resto do ano. Cruzavam-se grupos de mulheres em conversas de ocasião com os sacos das compras pendurados nas mãos calejadas pela apanha da azeitona. Quase todas ainda com os fatos de
 trabalho vestidos.Era o Natal o tempo mágico da GAIATAGEM. O tempo triste para as famílias com o "CREDO na BOCA" pelos filhos que estavam no ULTRAMAR PORTUGUÊS.
Os rostos revelavam as marcas da saudade e  receio. O silêncio em cada boca era a prova da ausência consentida.



                                          

Mas era no Pino do Verão, que se podia "MEDIR" a resistência deste povo. O calor abrasador, controlava os movimentos, eram poucos os que resistiam aos 40º à sombra, só os gaiatos e os cães davam sinal de vida no enorme largo do Rossio. Só os mais Jovens-raparigas ou rapazes tinham lugar nas ceifas, ou, no cavar dos grãos. Era uma economia miserável...o rosto da maioria das famílias já de si miseráveis pelo enorme número de bocas a alimentar. O cemitério tinha um talhão para jovens e, lembro-me que estava normalmente cheio. Qualquer constipação daria origem a situações de gravidade extrema.
Os médicos da altura eram verdadeiros "INVENTORES", muito ficou a dever a população do ZARCOS, ao Doutor "Crujo",ao Doutor Carvalho, ao doutor Canelas de Cabeção e mais tarde ao Doutor GUITANA. Refiro também o GRANDE PROFISSIONAL e HUMANISTA que foi o DOUTOR ASSIS e SANTOS de Estremoz, que estava sempre pronto a "correr" de noite e de dia, em ajuda, das populações que circundavam a vila de Estremoz.  Este já meu conhecido assim como o referido Doutor Guitana. Estes SENHORES fizeram verdadeiros milagres para ajudar a população na tragédia que era viver neste mundo aparte.


 " Sol do mendigo"
Olhai o vagabundo que nada tem
e leva o sol na algibeira!
Quando a noite vem
pendura o sol na beira dum valado
e dorme toda a noite à soalheira...
Pela manhã acorda tonto de luz.
Vai ao povoado e grita:
- Quem me roubou o sol que vai tão alto?
E uns senhores muito sérios rosnam:
- Qu...e grande bebedeira!
E só à noite se cala o pobre.
atira-se para o lado,
dorme, dorme...

Poema de Manuel da Fonseca  
Este grande Poeta alentejano nasceu em Santiago do Cacém em 15-11-1911, onde passou toda a sua juventude e férias ( quando as tinha ) e morreu em Lisboa em 11-03-1993.



Samarrinha



Sem conhecer a realidade desses tempos arrisco-me a adivinhar quem suportava a vida das famílias: Madeirinho, Parente, os Piscas e os CORTES da Rosada. Eram estes,  de certa forma, que davam algum trabalho à população. Sem eles e porque eram os donos da maior parte das terras da região, não haveria trabalho e  de uma forma indirecta faltaria o sustento às famílias. Lembro-me de ouvir contar umas histórias de miséria sobre a casa do meu AVÔ ALGARVIO. Muitos irmãos, muita tristeza junta...o MADEIRINHO, "inventava" tarefas para dar ao meu AVÔ e aos filhos e, em troca, alimentava-os com produtos do campo: Grão , feijão, pão e azeite eram a paga pelo conserto duma parede num dos olivais da serra... Estes "RICOS" foram a salvação de muita gente nos anos entre as duas GUERRAS. Aqui lhes presto homenagem e reconhecimento sincero. Eram pessoas com algum poder  mas que viviam e trabalhavam  com os seus trabalhadores. Em miúdo, comi várias vezes na cozinha do Madeirinho-era uma mesa enorme, onde estavam os PATRÕES,  empregados e os  tratadores das bestas . Comi neste local as melhores sopas de grão da minha vida. Lembro-me como se fosse hoje. Depois do PATRÃO ter morrido, tudo continuou da mesma forma... mas com a DONA CABACINHA à frente dos des
tinos desta grande casa de agricultores e senhores da terra.


Velho Madeirinho-Madeirinho e Dona Cabacinha

Pouco ou nada resta destes pequenos IMPÉRIOS,onde se praticava o Bem. Paredes despidas, casas vazias mergulhadas no silêncio cruel da realidade; campos abandonados pela falta de continuidade. Os descendentes procuraram vidas melhores na grande cidade.
As casas permanecem no largo, como símbolo de um tempo há muito perdido, mas não esquecido.


A casa do Madeirinho


No Largo vivia a gaiatagem



GAIATOS, REBELDES...FILHOS da PÚ...Cara! 


Hoje. Nos tempos da GLOBALIZAÇÃO, há muitos, muitos anos que observo o ROSSIO vazio. Ecoa no meu cérebro o som abafado e longínquo de gritos misturados com raiva...s , gritos de comemorações distantes. Sorrisos rasgados
-Passa a Bola!!
-Assim não jogo mais!..
-Fernando, Jaime..Daniel. Tu ficas desse lado!

Não estou a sonhar. Na realidade o eco das nossas inocentes vozes, permanece no largo sagrado da brincadeira-constante.O largo está vazio mas permanece intacto nas minhas recordações... o PALCO de todas as emoções abre-se à fantasia...darei rosto aos figurantes com a minha Divagação-Viagem ao passado através do Rosto e imaginário de uma "VELHA SENHORA-DONA XÊTA".

Começavam (..quando não havia ESCOLA), a chegar pela manhã as SUB-TRIBOS. No banco de tijolos gastos da IGREJA estava já o CHINA, há muito com a sua Viola, grande demais para vulto tão pequeno.
   Da RUA NOVA, contava-se com as presenças do Fernando, do Tólho do Angelino, dos Fonsecas...quando não tinham que ir para a vinha dos cantoneiros. O Tozéi do Pécuré,O Nelson e o Lino, o Quimino e o Barroso. Do CORMIAL, o Catróia, o Juquim Manélii e o Bananza. Da fontes dos Sapos o Tólhum dos PATOS.Das Tapadas, o Lito, o Daniel e o irmão.
Da Rua de Borba e PÉ do Cmitério... o Marinho e o irmão ( filhos do Zé das Facas),  Celestino, o Altino do Candeias e o Faragaita.

As gerações com diferença de meia dúzia de anos, aproximavam-se num desejo de socialização e "QUERER CRESCER a todo o custo".
  O Monte das "FIGUÊRAS ", fornecia-nos o Carlos SilVério,o  Ernesto, o Custódio, o Rogério, o Pataquinhos, o Maltinha, o Minga, os Cornéis(Felismino e Inácio), o Armando e penso que o Badjinho também morava por aqui.
Mais acima e no mato vivia o XAREPE...que aparecia à socapa de tempos a tempos. Os Rádares para além da linha do comboio.
Da Rua da Estação, que como o nome ainda hoje indica; prolongava-se até à estação dos caminho de ferro.
Poderiamos contar com o SILVA, o TILHO das Cirolas , o Leôncio Manuel Manguinhas, o Zé Boleia , o Rola e lá mais acima os FERROS, o Manél Quim o mais fiel à brincadeira. Dos Montes da Glória, e sempre presente, vinha o Zé Maria.
Da  Rua da Escola, O Fernando e o Rui da Gizélia, o Zé d´Sapatêro e o irmão. Os Grades, Zé da Massana e o Tóta, seguindo pelos MONTES dos ABIBES acima...desciam para o Rossio o Cáu e o irmão, o joão Hilário , o Angelino,o Jaime, os Pinguinhas, o Paulo do Mélguinhas, os Pernas Dáço, Virgolino do Alvino e o Cabacinho.
Da Rua da Carpintaria,o filho do Chinês da Muagem, o irmão da Dádica, o Trambolas, Ana Paula Guitana e o irmão Zé Luis. Também daqui o Sebastião risonho.
Da Aldeia, o filho do Flor, Luis Russo, Jasué e irmão, Vítor do Pisca, os Pernas e os famosos Bombarrais.
Do Monte , os Frascos e o Pernamagana.
O filho da horta do MONTE, o Alberto do Saias,  os Tagécos e o Zé João mais o Calhandro vinham das Bordas dos Arcos.
Não me atrevo a contá-los, faltarão alguns...desculpem-me esses ...alguns. Somos um GRUPO numeroso, éramos uma verdadeira tribo na verdadeira essência da palavra. O Largo estava a rebentar pelas costuras e sempre emoldurado por uma PLATEIA de homens que nos incentivavam ao crescer e à perfeição.
Estas foram as últimas gerações a povoarem o ROSSIO a tempo inteiro, penso que também as primeiras a poderem brincar em Felicidade -PLENA. Devemos tudo isso aos nossos pais e à implantação da Escolaridade-obrigatória.

Jogo do Botão-Berlinde das 3 covas-Pião-Aro de Bicicleta-Seringadora-Fisga-Jogo do Salto-Corridas-Jogo do Chito-Cartas-Brigas e pedradas, cabeças partidas , joelhos rasgados...tudo isto fazia parte de uma" FEIRA", que, parecia não ter fim.
O JOGO da BOLA.
Era o jogo mais apetecido e era o que mais dinamizava o largo e os seus assistentes mais velhos-a PLATEIA dos adultos seguia com redobrado interesse os desafios que se desenrolavam no palco de areia coberto.
Mas nem tudo era favorável para nós, miudagem. Tínhamos dois inimigos de estimação; os quais nos faziam estar sempre alerta...


A GUARDA a CAVALO

O Som dos cascos no alcatrão era o sinal da debandada. Ainda hoje não percebo se, na realidade, era proibido jogar à bola no largo da freguesia. Nunca ninguém teve a ousadia de perguntar, ou saber, a razão das fugas para trás dos muros até que os cavalos desaparecessem na Rua da Herdadinha. Tínhamos realmente pavor da GUARDA-a-CAVALO.
Outro dos PAVORES, era a célebre  VELHA_XÊTA.


A que deu origem a este artigo. Esta senhora, mãe do JOÃO Pécuxinho, defendia o seu território com unhas e dentes. A sua casa, sempre bem caiada, ficava ao lado do largo e, para grande azar nosso, ela conseguia sempre apanhar-nos as bolas. Bolas essas que por mais pedidos de humilhação , nunca retornaram aos seus donos. Era implacável na sua luta contra a GAIATAGEM. Era uma "GUERRA" sem tréguas. Descobri "HOJE" quarenta e poucos anos depois qual foi o destino das nossas bolas. Mas, sobre esse assunto e sobre a realidade desta SENHORA, falará a sua NETA,  na parte central deste artigo.
Eu, UMA das vítimas da sua IRA, estou hoje aqui a prestar-lhe uma homenagem merecida. Merecida porque foi para nós uma "INIMIGA" que nunca conseguimos vencer. Merecida também porque nunca baixou os braços na sua luta em defesa do seu Território-Sagrado - AS paredes caiadas de Branco.
VIVA !!!  VELHA XÊTA pela eternidade-Honra lhe seja feita!!!!
Afinal "Xêta"  é um NEOLOGISMO !
XATA era realmente o que queríamos dizer!


Obrigado DONA -XÊTA desculpe lá alguma coisinha..

Para todos os filhos que hoje são Pais de seus Pais como eu. Presenteio-os com esta lição de vida.
 Façam o melhor possível pelos velhotes. Foram eles que nos deram o tempo-mágico descrito no texto que agora termino.


continua

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