LOBOS

Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem na alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível

Herman Hesse

quinta-feira, 25 de maio de 2023

A MINHA TIA VITALINA

 

 

 
 
...FINAL DE TARDE DE UM SETEMBRO DE 1966, SAPATARIA. ALGUMAS BOTAS  ENGRAXADAS PERMANECIAM A  AO SOL DO OUTRO LADO DA RUA, O  CALIPOLENSE (COM OS 2  IRMÃOS violentos VISITAVAM NESSE DOMINGO O CAMPO DA LAGOA). A equipa da terra saiu vencedora e o Árbitro (o Padre Martins ) agredido por um dos irmãos.
   QUINTA FEIRA , encostado  à escada que dava para o pequeno sótão improvisado  (ONDE DESCANSAVAM A SOLAS GROSSAS ESPERANDO serem retalhadas pela faca afiada) «o Lola». Na detrás da porta , o Eduardo José Bonito  Bizarra (O BIZARRA). De pé ao centro com uma camisola clara esta com um BOLSO DO LADO DIREITO onde descansava uma esferográfica, ZÉ DO RATO (JOSÉ BRAVO). O TISAPATÊRO CORTAVA TIRAS PARA AS TRAVESSAS DA BOTAS NUMERO (44?)GRANDE do João do Secretário. Eu do lado de fora encostado à ombreira da porta.
 
Abril 18, do ano de 1972, já tinha idade para entrar para dentro  da sapataria. O cenário repetia-se, e ouvia novas de Angola, protegido por esta sentado  de cabeça baixa o Rosa (irmão mais novo do sapateiro), cozia umas solas novas nas botas de algum trabalhador das pedreiras.  Zé do Rato de pele tostada pelo sol de África  tinha  muito para contar. Tirou  uma esferográfica  BIC CRISTAL DO BOLSO DA CAMISOLA. Dirigiu-se à pequena  mesa quadrada   do canto esquerdo à entrada da, esta  à "mãodesemear" do sapatêro (ONDE NUMA MISTURADA DE PREGOS, PROTETORES , FIOS, SEVELAS MARTELOS gastos PELO TEMPO E O USO, outras ferramentas,  pequenos objectos  e MUITAS RARIDADES ESQUECIDAS). AGACHOU-SE E ESCREVEU UMA FRASE A AZUL  QUE O TEMPO NUNCA APAGOU>> «BOA GENTE».
   Permaneceu lá até ao "TERMINUS" da sapataria. E representou para mim a imagem   de todas as pessoas que frequentaram aquele espaço. As fotos anexas são representativas do bem estar e ad concórdia que se vivia nnestes temos difícies do anos quarenta e cinquenta do século passado. Uma a dos rostos, onde se reflectem convívios sãos e esperanças de uma LONGA VIDA ,  a outra o RITUAL DO SANGUE, a importância da MATANÇA do porco na vida das famílias que tinham algum dinheiro amealhado.   

--BOA GENTE

Retratos perfeitos duma geração

 


 -CEGO da TITURICA(ao centro descalço), estaríamos pelos finais de quarenta princípios de 50

  Diziam as vozes da rua que o gaiato tinha ficado sem visão porque o fumo do lume era muito na casa do "PELADO" e da Isabel da Tidurica (QUEIMARAM OS OLHOS AO RAPAZ!). Se foi esse o motivo, então o Olivério, o Fura-Pastos" e a irmã(ISABEL?) tinham seguido o mesmo rumo do "cego da Titurica". Sei de muitas história sobre o cego, reveladoras do seu optimismo e espírito batalhador.. Talvez seja melhor observarmos bem o detalhe  da foto- DESCALÇO! um bom representante da  miséria que habitava muitas das casas da freguesia. Mais tarde o PROFESSOR CARDOSO. O rapaz (penso) tinha ido para o seminário,levado por algum Padre, antes disso vagueava  pela rua de casa em casa com a sua lata de pólvora amarela, esta com umas  pedrinhas lá dentro. Ele abanava-a todo o dia repetidamente perto do ouvido esquerdo. Astuto e atento nas suas memórias permaneciam todos os segredos da rua. Diziam que sabia exactamente o número de fetos que foram despachados  para o balde  da Fernanda ou em  alguma  casa   de qualquer "Médica" de ocasião

   O Sr. Cardoso viria a ser mais tarde meu professor de Português na Escola Industrial.

 

 

...

 

geração

SAPATEIRO da Rua de BORBA


 






ANTÓNIO RAMINHOS  ARMÁRIO



28/02/1927   -   10/10/2013





E Ficaram as "FORMAS"





Nas paredes o ECO SILENCIOSO da ausência/PORTA FECHADA, cortina cerrada!!!  

Dos VISITANTES  que vinham trazer e buscar e os  outros que  simplesmente "APORTAVAM" para uns dedos de conversa, nem sombras. 

Contaram-se histórias, acontecimentos tristes outros não . Cenas e cenários  vestidos do acastanhado dos dias de um  passado longínquo com nomes sem rosto.

ESTAMOS com ELAS!
                                                       As BOTAS ...




Mergulhado até aos joelhos num monte de calçado por consertar...avental gasto de tanto encostar o pulso num vai-vém  repetitivo dos gestos do corta sola, até romper.
Das GÁSPIAS e do bater na bola de pedra .
As pontas bem untadas da cera e a "CVELA " abrindo um rego ponteado para a resistente cozedura.
Anos a fio,  centenas  de peles  retalhadas e as solas duras  na plataforma perto do tecto.
 Faca afiada na lixadeira construíram momentos para os outros fazerem figura-antes uma necessidade, depois passou a luxo fazer umas botas no sapateiro.
O  movimento dos dias não perdoa... vieram uns , foram de vez muitos mais-ROSA, JÚLIO BICUDO o perseguido pela PIDE. Deles reza a HISTÓRIA nos quatro cantos da SAPATARIA.
Mestre de BROCHA na bocas e os pregos por endireitar.
Dos sete ofícios fez FÉ,,, outro ANGELINO pois então, do Pécuré o terceiro. Ao escrever este artigo em 2012 restava-nos o Manél Ameixa e depois deste a palavra SAUDADE. 
As figuras típicas da minha FREGUESIA já quase todas desaparecidas
MESTRE SAPATEIRO

OBSERVADOR, curioso e perspicaz, sondava os assuntos e descobria os segredos .





Dado à terra. AMEALHADOR e poupado.

ENGRAXADOR e VENDEDOR. 

 


 BOA GENTE

 Na Rua de Borba teve início a "Diáspora " do Sapateiro, foi naquela casa, «sapataria» que ainda conheci,  onde aconteceram  os primeiros encontros daquela geração e da família.  Na foto anexa histórica pois os tios e o meu a pai e amigos estariam pelos vinte e poucos, trinta anos. O Rela, o João, a TIPaula , o sapateiro, a minha tia Vitalina , o Bilho e penso que os gaiatos são o Inácio e o Angélico. Reconheço também o João "PÉCUCHINHO".

 
Deste local partiu a alcunha pela qual foi sempre conhecido.


O mestre SAPATEIRO da RUA de BORBA desenhou a sua vida entre os caliços caídos de paredes protetoras de inúmeras  GERAÇÕES que sobre o papel manteiga desenharam os seus rastos e com o cebo forjaram os movimentados passeios na RUA NOVA, no largo e em todos os largos dos arredores. 
Das idas ao CAPELAS de machado na mão aproveitador dos BIFES da vaca que tinha comido demasiada luzerna até rebentarem - Vamos lá ÁLVARO?!!.
O Filme terminou, a sala Vazia de cadeiras, martelos e da água negra do amolecer dos coiros.
A rua descansa para sempre, já não há visitantes dos montes em redor, do BARREIRO e das bandas de LISBOA...O SAPATEIRO FECHOU na primeira década deste século, foi de FÉRIAS.

Para TERRAS do OUTRO LADO. 

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