LOBOS

Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem na alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível

Herman Hesse

domingo, 7 de maio de 2023

MARIA

 


"A vida é o oceano
A tristeza e a felicidade são os ventos
Os pensamentos são as pontas das montanhas, que se
erguem como ilhas
A vida de uma pessoa é o seu veleiro. Uma pessoa em harmonia
É aquela que sabe usar os ventos
como força para se impulsionar,
usar as ilhas para o seu descanso na sua jornada,
apreciar o balanço das ondas, como elas devem ser,
E ao final da jornada,
abrir um sorriso e dizer: a viagem valeu!
 
 
 

 
Uma pessoa em desarmonia
É aquela que sempre transforma os ventos numa tempestade,
Que ignora as ilhas, e as vêem como
obstáculos as suas jornadas,
Que acha que as ondas só podem estar no topo,
Que no fim da jornada apenas conta quantas vezes as ondas
desceram e quantas vezes o barco virou. "
Chao Lung Wen
 
 

 
MÃE!!
A MARIA Luísa Espadanal RAMOS nasceu numa família de AGRICULTORES na Frandina-Estremoz, família abastada e com grandes conhecimentos, a FAMÍLIA ESPADANAL foi entre os anos 30 aos anos 80 uma referência na região de ESTREMOZ no mundo dos negócios ligados aos trabalhos do CAMPO. Eram 4 irmãos(João Miguel-Júlio- Maria Luísa e Joaquim Manuel) , perderam a Mãe muito novos. Maria Luísa tinha onze anos.
Foram separados e cresceram sob a protecção dos Tios. Estruturaram o INSTINTO de SOBREVIVÊNCIA numa vida de trabalho, de convívio com muita gente de muitos lados e de variadas formações. Esta foi a MULHER que chegou ao ZARCOS no início dos anos 50, tinha sido gestora das contas dos Espadanais e taberneira na Tasca do Ventura Ramos. Casou com o filho do Algarvio, um pedreiro de São Brás de Alportel que veio procurar SOBREVIVER num ALENTEJO pobre e replecto de obscurantismo.
«Uma FAMÍLIA de 9 pessoas numa pobreza extrema como muitas existentes na TERRA, foi o MADEIRINHO que calou muitas vezes a voz da FOME nos estômagos da Família ALGARVIO-Gatêro.»
Hoje que tenho tudo,
só PERDI o PASSADO.
Lembro-me com SAUDADE de 2 objectos que faziam parte do ESPAÇO FÍSICO da família GRIZÉU. Um fogão a petróleo e um RÁDIO "MEDIATOR"(VENDIDO PELO GLÓRIAS CAEIRO E COM BI ASSOCIADO, pago em 3 prestações). Estas "duas riquezas", separados pelo tempo e por uma fronteira que delimita o claro do escuro; acompanharam o meu crescimento e ajudam-me a visionar em imagens claras os tempos memoráveis quando este "clã" escreveu as primeiras páginas do livro das suas vidas.
OS DIAS antes da chegada da electricidade e o depois quando os fios cremes se instalaram harmoniosamente nas paredes de cal branca.
Na minha casa também, e das 3 pessoas que descrevo nesta evocação, casa com um quintal pequenino mas precioso um POÇO e uma barraca de arrumação onde estava pendurada uma bicicleta preta,podre como símbolo de uma evolução já vivida e esquecida. E um WC improvisado com uma tigela de barro com um buraco no fundo (DE FOGO ASSIM SE CHAMAVAM)a apelidada de SANITA-MODERNISMO. Hoje TOP !
A Habitação com o nrº55 mantém ainda hoje o seu traço original, como um símbolo de um TEMPO há muito desaparecido. Nas traseiras continua a pedra enorme de xisto onde a GRIZÉUA lavava a loiça, o poço de 4 metros de profundidade, persiste.
A ÁGUA POTÁVEL ERA CARREGADA A OMBROS VINDA DA FONTE DOS SAPOS CHAMAM HOJE DE "XAFARIZ", LUGAR DE CONVÍVIO E MUITAS CONVERSAS , UM NASCENTE PRECIOSO para as gentes da minha rua e não só , todas (as mulheres )se juntavam nos finais das tardes, na fonte dos sapos perto dos CATRÓIAS.
As mármores polidas da porta trazem-me o eco de uma vida rica de acontecimentos passados, a casa de entrada grande com uma janela ao cantinho, o candeeiro a petróleo também sobre um suporte perto da chaminé. Iluminação débil dos primeiros tempos da primária, no INVERNO a cama chegava cedo não havendo muito espaço para conversas mil vezes repetidas. O lume iluminava o ambiente com sombras vivas nas paredes em SIMETRIA, o candeeiro descansava por necessidade de poupança.
 

 
A Joaninha vermelha era já nessa altura um símbolo de progresso e também de estatuto do João Grizéu, o cheiro a GASOLINA pairava no ar misturado com outros cheiros meus familiares. O dos fritos em tacho de azeite, o da salgadeira do quarto do quintal.
Em Outubro a casa de fora enchia-se de FORASTEIROS, tempo rico com o chão ao fim do dia coberto de peças de caça. Troféus exibidos orgulhosamente pelos visitantes vindos do lado de ALMADA e CACILHAS. Vivem ainda em MIM os nomes de ORLANDO, MÁRIO e Augusto ANTÓNIO Dias da casa das Sementes.
Fui um privilegiado de ter passado a par deles estes momentos de comunhão plena de acontecimentos, contavam-se histórias, serviam-se deliciosos manjares e vinham prendas daqueles lados do MAR.
A casa cheirava desta vez a sangue misturado com o odor adocicado do tabaco caro. Entre risos, gritos e palavras embriagadas contavam-se as façanhas do dia. O FIM de semana terminava num adeus da partida e do até pró ano. Os carros arrancavam decorados por uma cobertura de pelos e penas pendurados. A bandeira de um TEMPO de fartura nos campos do Alentejo, o tempo do respeito pela caça, os campos estavam cultivados, as cearas davam muita fartura às criações. A ALEGRIA do 1rº de Outubro persiste hoje nas recordações dos mais velhos, uma recordação distante e cinzenta.
Havia uma ligação profunda entre esta família (...dos GRIZÉUS)e a loja do Rato ali mesmo ao lado, muitos dos momentos felizes do gaiato reportam-se a esse convívio familiar, lembro-me dos sábados de enchentes no talho e na mercearia onde era de um prazer enorme pesar o açúcar e o arroz nos sacos de papel manteiga, de uma vez só. Como o Hábito aperfeiçoa a habilidade.
 

 
Foram TEMPOS também de fartura, não se comprava uma melancia mas sim uma arroba ou duas. O PORCO invariavelmente tinha de 10 a 12 arrobas e era um grande bicho, tudo servia para manter o RITUAL da festa e da comunhão. Esperava-se esse dia para levar a cachola aos mais chegados. Com o espírito já no outro dia o da "DESMANCHAÇÃO".
...amealhavam-se 5 tostões por cachola,25 tostões pelo jantar de carne 8 ou 9 cacholas era a média.
Em LIVERPOOL tinham inicio os primeiros gritos da LIBERDADE>
Hey Jude, don't make it bad.
Take a sad song and make it better.
Remember to let her into your heart,
Then you can start to make it better.
THE BEATLES, trouxeram-nos a libertação dos tempos pardacentos, jamais nada seria igual MARY QUANT a mini saia, o casão do Pereira as "GAJAS BOAS". Fátima do João PÉCUCHINHO, , CITY, as Locádias, as Banhas ...invadiram as Matinés com os primeiros Gira-discos portáteis...os gaiatos(nós!) aliviavam-se na sombra, surpreendidos com estes novos tempos. Olhares atentos ficavam espreitando à porta e enfiavam -se quando surgia uma oportunidade, mantinham-se lá dentro sob o olhar protetor dos mais velhos .
UMA ESCOLA PARA O FUTURO.
O primeiro grito para a LIBERDADE, foi por estes anos, e não em 1974.
A LIBERDADE é desde sempre uma força espiritual de independência e recusa perante os fatores que nos querem limitar os movimentos,( PODEREMOS ESTAR POR TRÁS DAS GRADES E SERMOS LIVRES COMO UMA ÁGUIA EM VOO, ASSIM O NOSSO ESPÍRITO O DECIDA).
INSTALARAM-SE AS CORES E A REBELDIA. ESTAS GERAÇÕES TORNARAM-SE OS REPRESENTANTES DO NOVO TEMPO.
Hey Jude, don't make it bad.
Take a sad song and make it better.
Remember to let her under your skin,
Then you'll begin to make it
Better better better better better better, oh.
Na na na nananana, nannana, hey Jude...
TRABALHO!!!!!
A palavra mágica, toda a gente procurava o trabalho e era feliz com ele.
Sempre que penso nestas duas pessoas não os consigo dissociar desta actividade tão NOBRE na vida de qualquer comunidade,( hoje já não é assim...) Mestre João Grizéu e os irmãos foram GRANDES homens do ZARCOS, gente competente na construção "à antiga". Paredes de pedra e tijolo burro, arcos em abóbada ÁRABE, coisa fácil para quem tinha aprendido a lição vinda de Marrocos.
Grizéu trabalhou até ao dia que a «falta de vista» o fez cair da motorizada, bem perto dos 70 anos, não me lembro de um dia sequer que não fosse procurar o sustento e desenrascar quem precisava,,, no ofício de fazer casas. De Inverno ou de Verão, com chuva, ou ao sol tórrido. Sábados e Domingos sempre ouvi aquela mota (JOANINHA). Conhecia-lhe o trabalhar muito longe lá para as bandas do PEXÓCA. Esperava-o impacientemente pois sabia que viria alguma sobra dos restos do almoço. Talvez um pedaço de ovo estrelado ou um bocadinho de fesnada (entrecosto), e assim acontecia. Este homem que viveu até aos 96 anos foi um admirável sobrevivente de uma família que sofreu as "passas do ALGARVE" para conseguir um futuro melhor, não se tinha nessa altura a noção do melhor ou do pior. Simplesmente vivia-se com dignidade a pensar nos filhos.O Mundo foi um SIMPLES círculo com diâmetro diminuto. Nesse círculo constavam Estremoz, Borba e as aldeias perto destas. Este foi o tempo do candeeiro a petróleo.
O tempo em que a "MARILUÍSA" brigava com as chaminés de vidro cheias de "mascárra" ou a desentupir a cabeça do fogão com a agulha de arame.
Estas foram as preocupações mais à mão. E à mão de semear estava a cara do filho, muita porrada levavam os gaiatos das mães, todos os dias, aquele fadário sovas e mais sovas...por tudo e por nada. A vida dos GAIATOS era difícil nestes tempos do candeeiro a petróleo.
O tempo do FOGÃO A PETRÓLEO dos candeeiro mascarrardo é marcante nas minhas recordações, o tal tempo das noites escuras , onde as ESTAÇÕES do ano estavam bem demarcadas por espaços curtos de ligação, a vida na casa 55 seria muito parecida com a de todas as outras casas da RUA. Nós éramos verdadeiramente FELIZES, toda a gente da comunidade assumia esse estado de espírito- FELIZ. Lia-se essa realidade nos seus ROSTOS,de todas as gerações que conviviam e pisavam as pedras da rua enlameada de Inverno e com nuvens de pó nos dias de vento. Antes dos postes com fios estendidos chegarem e decorarem os telhados das casas os dias passavam-se entre a organização possível da gaiatagem a ir para a ESCOLA, sempre à mesma hora 8.40 o Barroso aparecia à porta a chamar o AMIGO(Ávo)!!!
Chegou a LUZ!!
 

 


As Casas Iluminaram-se as ALMAS RENASCERAM tal como Fénix renasce eternamente das próprias cinzas.
Avisam-se todos:>>Obrigatório sorrir, Sonhar e não ir para a cama cedo.
NA NA NANANANA, NANANANA, HEY JUDE...
Na na na nananana, nannana, hey Jude...
AMIGO ÁVO!!!VAMOSPRÁESCOLA!

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