LOBOS

Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem na alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível

Herman Hesse

domingo, 22 de novembro de 2009

O Nosso "TIO de SÓZELIII"




João  Miguel Ramos


1924 - 2009

Estou muito entusiasmado e cheio de energia para escrever sobre o meu tio de "Sozéliii", vou desta forma tentar fazer justiça a um homem bom e de certa forma incompreendido por todos. Não sei se na realidade  consigo transpor para a escrita todas as sensações que me envolvem quando recordo acontecimentos relacionados com o tio João Miguel.
As recordações mais distantes que povoam o meu imaginário (boas recordações), as primeiras viagens nos autocarros da rodoviária nos princípios dos anos 60 foram feitas a Sousel...à Feira de S. Miguel. Lembro-me perfeitamente que me levantava muito cedo para ir para Estremoz e depois daqui para Sousel.
  Ia sempre com a minha mãe. O autocarro parava exactamente no local da feira, muita gente por todo o lado e muitos animais para venda, os ciganos em grande maioria eram naturalmente uma das imagens de marca desta feira anual. Fins de Setembro, muitas vezes com chuva adorava o dia que ia à Quintas das Henriques casa do meu tio.No dia da chegada invariavelmente ele estava na praça a vender as hortaliças da sua horta.
Desejava ansiosamente  a chegada  do mês de Setembro para cumprir o ritual da feira de S. Miguel. Minha mãe comprava-me uma bola de serradura que mais não eram os yôu-yôus da época. Tinham um elástico e eram embrulhadas com pratas de cores variadas-não duravam muito mas era uma felicidade de criança ter uma bola de serradura.Mas o que queria mesmo era chegar à quinta do meu tio, entrar no portão e correr de seguida todos os cantos. Subir ao primeiro andar onde estavam as nozes, os melões Todas as colheitas de verão e o meu tesouro mais apetecido: batatinhas pequeninas, como eram boas as batatinhas pequeninas fritas inteiras na casa do meu tio. A tia Maria Joana fazia também umas boas canjas e era uma simpatia de mulher, sempre a sorrir e com piadas para me fazer rir. A lida da quinta não era interrompida pela chegada dos visitantes... desejados. João e Maria levantavam-se muito cedo para tratar das vacas e dos assuntos da horta, o lume era acesso para aquecer a água para o café e a alegria em mim  permanecia para um domingo enorme cheio de acontecimentos: ir à feira, percorrer todos os cantos da quinta, brincar com os cães e olhar com todo o cuidado para a minha imagem espelhada na água das duas noras.
O regresso a casa era da mesma forma feliz pois tinha a certeza que regressaria no próximo ano.
Tinha na mão a bola de serradura para mostrar aos gaiatos da minha rua...







No início dos anos oitenta a minha tia depois de grande sofrimento faleceu e meu tio permaneceu na quinta mais alguns anos numa vida de trabalho com grande solidão à mistura. não me lembro muito destes tempos pois já me encontrava em Lisboa , mas sei que minha mãe foi várias vezes a Sousel para limpar a casa e apoiar o meu tio. Conseguiu convencer o irmão a deixar tudo e começar uma vida nova em Arcos. Naturalmente e depois de começar a viver com uma nova mulher, Maria. O meu tio mostrou a todos sem qualquer dificuldade as suas capacidades de grande conhecedor de todos os trabalhos do campo. Um trabalhador sem igual e sempre humilde nas palavras, contador de histórias -tinha sempre uma boa história para contar. Descobriu sem custo todos os cantos destas novas terras, sabia onde cresciam os orégãos, os espargos,  as terras dos melhores poejos e as mais doces bolotas.
- Álvaro, sabes quais são os azinheiras  que tem as melhores bolotas!?...é fácil, basta seguires o rasto de uma vara de porcos ou de um rebanho de ovelhas. Eles sabem quais são as mais doces.
Conheci muito bem o tio João Miguel nesta fase da sua vida. Encontrei-o por vezes em dias de frio de rachar de bicicleta  a caminho de Estremoz para  comprar um pacote de leite porque era mais barato.Almocei com ele diversas vezes e acompanhei com preocupação o seu desejo de partir. Ouvi muitas críticas ao "AVARENTO João Miguel". Sorria entre dentes quando ouvia e ainda oiço a voz do povo a falar negativo sobre o homem que só parou mesmo na recta final. Aí sim!... a tristeza envolveu o nosso TIO, a solidão das quatros paredes, a repetição da solidão.Dizia com um brilho intenso nos olhos:- Quando eu morrer os meus sobrinhos vão ficar ricos. Esboço novamente um sorriso pois soube sempre o que estava por trás do significado daquelas palavras. O peso do SONHO. O peso de uma vida de OBJECTIVOS cumpridos de SONHOS REALIZADOS...de defesa de territórios imaginados e vividos. O AMOR AO TRABALHO e O AMOR ao 
 PRÓXIMO.




... TOMEM POR FAVOR ESTA  ROSA ...








O AMOR e O TRABALHO estruturam a vida do ser humano

                   FREUD

 
Tio Menino


O meu tio JOÃO MIGUEL, não leu FREUD nem sabia muito de Literatura mas tinha nas veias esta verdade...Oferecer uma Rosa dá com toda a certeza muito mais gozo, de que recebe-la.



Obrigado TIO ( De todos nós)

                                                   Álvaro Espadanal


Fruto do Tempo


Sou filho da terra que hoje piso
Dela retiro todo o meu sustento
Trabalho esboçando um tímido sorriso
O calor do sol dourado dá-me mais alento

Das flores que brotam no fértil solo
Retenho o aroma e recordo o passado
E como um menino pequeno de colo
Sinto-me num corpo fraco e cansado

A minha energia dá-me vontade
De pular, saltar e vibrar com a vida
Correr o mundo rumo à felicidade
Procurar uma qualquer causa perdida

Debilitado, chamam à minha condição
Sem querer ver a força que me invade
Por um qualquer conceito que em nomeação
Decidiram apelidar de idade

Viver é o verbo que quero conjugar
Mostrar que o meu coração ainda bate forte
E dar aos outros o prazer de me ver triunfar
No momento em que renuncio à morte. 




                                             Catarina Ramos
                                          Nov-2009





1 comentário:

  1. ...cada palavra uma recordação. O regresso da minha própria meninice, apesar desta se ter passado aqui, no Concelho de Castelo Branco, mais própriamente em São Vicente da Beira.
    ...era durante as Festas de Verão que nós comprávamos as "bolas de serradura", visitávamos vezes sem conta todas as barraquinhas...comprávamos o algodão doce e andávamos no carrocel...eram três dias de intensa alegria, os três dias mais desejados de todo o ano...as roupas novas para os dias de festa...
    Nunca me vou esquecer das sensações...
    Obrigado por, uma vez mais, me fazeres recuar ao meu próprio baú de recordações...

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